Golpe e revisionismo

Hoje comemoram-se os 40 anos do Golpe de Estado no Chile.

Pelo mundo todo reúnem-se vítimas do Golpe, bem como milhares de acadêmicos, para analisarem o fenômeno e criticar as pessoas da época, o Pinochet, os algozes.

Escrevo esse blog de hoje pois acho isso de uma desonestidade intelectual e histórica ímpar.

Volto um pouco atrás, para sugerir a leitura do livro "Os carrascos voluntários de Hitler", de Daniel Goldhagen. Sua tese é controvertida, mas tornou-se um best-seller e ajuda a entender como uma boa parte da população alemã e de outros países da Europa ajudou a perpetrar o genocídio. Voluntariamente, por vezes, contentemente.

Cito tal livro para lançar o conceito que, em 1973, o Chile estava dividido. Se Pinochet manteve-se no poder por 17 anos, e matou 3.000 opositores ao regime nesse período, não podemos dizer que a maioria da população foi contra o que ele e os militares impuseram ao país. Recuso-me a achar que grande parte da população ligava para a repressão, ou sabia sobre a mesma, pois se houvesse efetivamente uma desconexão absoluta entre governo e vontade popular, o ditador não teria durado tanto tempo, com relativamente poucas mortes, se comparamos, por exemplo, com Bashar Al-Assad, que até hoje, em menos de 3 anos, já matou mais de 100 mil sírios, mandou ao exílio mais de 2 milhões e permanece em seu Palácio (ainda que muito acuado, sob apoio russo).

Feita essa consideração, corrijo eventuais críticas que possam surgir de que sou a favor de golpe, da extrema-direita, dos militares golpistas ou mesmo do Pinochet.

Lembremo-nos que o Chile, mesmo após o golpe, sempre foi um berço importante da intelectualidade latino-americana. A CEPAL, que tanto contribuiu ao pensamento desenvolvimentista da região.

Sabe-se que Allende chamou por Pinochet no dia mesmo do golpe. Sabe-se que Allende era um presidente fraquíssimo, da laia de Jânio Quadros.

EM TEMPO: acrescento, 4 horas depois, esse post do Rodrigo Constantino, que acresce ao que falo, em tom mais grave.

Sabe-se que a economia estava em frangalhos, que o ideal e a intelligentsia cubana estavam rondando o círculo de poder, junto com a União Soviética, com intenção de implantar no país uma ditadura, dita do Proletariado.

Se não tivesse havido o golpe militar - apenas a hipótese pode provar - é muito provável que Pinochet se chamasse Juan, mas seria um ditador de esquerda.

O Brasil viveu a mesma coisa. A única diferença é a ausência de um só ditador, de um general concentracionista. O regime brasileiro piorou em um crescendo, já que começou ameno. Foi com o AI-5, em 1969, diante do enfrentamento com as centrais sindicais, que a coisa se radicalizou e degringolou.

Alguns chilenos sofreram com o golpe, mas a sociedade chilena como um todo sofreu muito menos que se quis fazer crer. Romancear golpes ou exagerar fatos faz parte dos contadores de estórias e denunciar o exagero é necessário. Valorizar ou maximizar os fatos para redigirem a narrativa é um exercício constante sobretudo de quem almeja o poder eterno.

Reitero: houve vítimas. Houve abusos. Houve absurdos. Era um estado de exceção. Nada disso é bonito ou louvável. Ocorre que a condenação do regime de exceção tem a obrigação de colocá-lo em perspectiva histórica REAL.

Caso contrário - e poucos pensam ou falam isso - a população inteira do Chile, exceto 3.000 mortos políticos evítimas de violações de direitos humanos, teria sido comparsa, cúmplice ou vítima passiva de Pinochet. Ou seja, todos algozes do mesmo jeito? Ou o leitor acha que o Chile "rodava" apenas com um ditador sanguinário? A ordem imposta trouxe estabilidade, sem liberdades individuais, mas aliou-se a planos de prosperidade coletiva.

Essa população "cúmplice" está ainda por lá, fez filhos, tem vergonha de parte do seu silêncio, mas tem ORGULHO do país que ajudaram a construir, pois não é apenas de discussão política que se vive, e sim do trabalho árduo e honesto.

A união das forças de esquerda na América Latina com o jornalismo revisionista tem permitido com que se ensinem e divulguem idéias revisionistas onde tudo se relativiza.

Recuso-me a apenas fazer a leitura rasa de que o Chile e o Brasil pararam no tempo com os regimes fortes que tiveram. 

Houve atrasos, revistos no campo dos direitos individuais, mas o sentimento libertário, no caso do Brasil, gerou uma Constituição Federal absurdamente irreal, ou surreal, onde de tanto se falar em direitos, esqueceram-se das obrigações.

A valorização da democracia no continente efetivamente foi, ao meu ver, o maior benefício de um período muito difícil, sofrido.

O radicalismo de posições, a anulação da culpa coletiva, o monopólio da verdade por aqueles que "acham" conhecer as razões da ditadura chilena meramente pelo exame aparente dos fatos, distorce a realidade e engana.

Não desejo me deixar enganar e esse post é para registrar que devemos pensar, um pouquinho além, do que os intelectuais - que por vezes admiramos - têm coragem de dizer ou se posicionar.

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