O que é o bem público?

Recebendo uma visita querida nesse fim de semana, diante dos inúmeros parques e praças públicas de Montreal, bem cuidados, refletimos sobre o que vem a ser o bem público.

Minha visitante brasileira comentou que, no Brasil, o público é aquilo que "não é de ninguém". Ou seja, parece que numa praça pública cada um faz o que quer, no emprego público também, pois o dinheiro "não é de ninguém". Assim, a administração pública reflete esse valor impregnado na sociedade. Parece que falta um aviso, um modo didático de dizer que existe outra forma de ver e lidar com as coisas públicas. Parece que ninguém imagina o benefício de uma nova forma de lidar com o que é público, do bom que isso gera à coletividade.

O brasileiro é gregário, gosta de integrar um grupo, uma igreja, uma escola de samba. Nesse ponto vê o bem de todos, mas do ponto de vista público, ignora o conceito por completo.

Nossa impressão, ao passear pelos parques da Belle Province, foi que o que é público é aquilo que "é de todo mundo". Ou seja, se alguém joga um papel no chão, um cidadão se aproxima (nada de esperar o gari, que não existe) e fala: você deixou cair isso... O cara fica com cara-de-tacho e vai jogar no lixo. Zelar pelo bem comum é uma obsessão geral (claro que há exceções, mas aqui falo da regra geral, comparando lugares e mentalidades, posturas).

No Canadá, quando alguém rouba 50 mil dólares em uma licitação, em menos de 120 dias está na cadeia e muitas vezes julgado. E nunca mais volta para a vida ou função pública. É simplesmente banido, pois a sociedade não admite que o público seja apropriado por um interesse privado, já que "é de todo mundo".

Recentemente, uma CPI (há pouquíssimas, mas quando há, dão resultado) chamada de Comissão Charbonneau, abriu as entranhas de todo o esquema de propina na construção civil de Montreal e da cidade vizinha, Laval. Todos foram expostos, execrados, prefeitos foram presos, a limpeza aconteceu. Em um prazo total de 6 meses. Nada de esperar anos ou décadas (como no caso do Mensalão... de 2005 e até hoje impune).

Feita essa reflexão, constato que o Brasil gasta bilhões em propaganda pública. Confira os números aqui.

É costume dos governos darem publicidade aos seus atos. Eles pagam fortunas aos meios de comunicação, agências de publicidade, para falarem do bem que fazem.

Há campanhas educativas, como do Zé Gotinha, mas a regra é gastar para calar a boca da mídia (censura pela grana) e ganhar pontos nas pesquisas de popularidade. Isso é usurpar dinheiro público, é inverter prioridades, é desconhecer que esse dinheiro precisa ser bem usado, economizado, pois tem gente que realmente precisa dele e quem contribuiu, pagou impostos, quer que seja usado com consciência, objetividade, revertendo para a sociedade (não para um só bolso).

Décadas atrás, quando se iniciou essa onda da publicidade dos governos, podia-se inclusive falar o nome do governador ou presidente. Era comum se ver campanhas como "Governo do cara tal". Houve gritos, mudanças na legislação, e a coisa ficou implícita, mais discreta, mas o dinheiro desperdiçado e o objetivo eleitoral aumentaram...

Isso ocorre em todos os níveis da administração: municipal, estadual e federal.

Muitos acham errado, mas a liberalidade com o dinheiro público, o desrespeito à moralidade e economia, continuam correndo soltos. E os governantes não estão nem aí.

Enfim, uma boa reflexão sobre o que é público... e o que precisa mudar. Basta um movimento para acabar com a propaganda pública.

As mídias não são concessão pública? Então por quê pagar por isso?

Deveriam ser permitidas apenas publicidades educativas e proibidos os gastos para anunciar inauguração de obras, etc... ainda que sejam escolas (como políticos adoram...).

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A cabeça do brasileiro.

Vícios privados, benefícios públicos

O povo brasileiro

Sugestões adicionais serão benvindas. Favor deixar nos comentários abaixo.

Obrigado!


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