Fora da zona de conforto

Segue abaixo meu artigo publicado hoje no Jornal Estado de Minas, retomando uma parceria editorial iniciada nos idos de 1998.

Fora da zona de conforto  
Passada a maré de sorte na economia, sobrou a realidade


Dan M. Kraft
Advogado no Brasil e no Canadá, doutorando em direito e ciência política (Montreal)
Publicação: 02/09/2013 04:00
 

O país inaugurou, dois meses atrás, a temporada das manifestações. Quase todos os dias veem-se agitações nas ruas e nas redes sociais. O movimento não cessa. A proximidade virtual das pessoas está moldando o que virá a ser a nova sociedade participativa. A delegação de poderes a mandatários, sem controle constante, tem seus dias contados. O levante popular tem uma raiz só: o descontentamento com a classe política em geral, pela distorção de prioridades na gestão da coisa pública. Sem partido ou personalidade como alvo, a conscientização de que uma parcela ínfima da população usurpa o poder popular parece ter vindo para mudar o país. O governo federal tem sido o maior provocador de ações atônitas. Com o Partido dos Trabalhadores administrando o país há mais de 12 anos, maestro de uma coalizão partidária que lhe garante maioria no Parlamento, a promessa inclusiva inebriou o brasileiro que aceitou, em 2002, resignadamente, os efeitos colaterais que tal agremiação imporia quando eleita.

Passados tantos anos, escândalos e uma enorme maré de sorte econômica, é forçoso constatar que as zonas de conforto criadas pelos incentivos governamentais ainda hoje ajudam a calar as oposições e as enormes distorções, hoje se avolumando sob o tapete nacional. Além das manifestações, dois fatos ajudam a demonstrar que esse modo de gerir diminui as instituições, a começar com a aviltada Presidência da República, em especial após ter sido ocupada por figura subordinada à cartilha do partido e não aos interesses da população brasileira. A indignação, portanto, cria um movimento de contestação sólido, coerente e perene. O programa Mais médicos é o primeiro enfrentamento. Diuturnamente objeto de debate entre seus defensores (personagens alinhados ao governo federal e aos interesses externos) e a oponente classe médica brasileira (que denuncia e repugna em todas as instâncias, inclusive judicial), trata-se de transferência de valores vultosos do Tesouro a um regime sanguinário e opressor. Sob a escusa de importação de mão de obra em violação à Constituição Federal, o governo afirma sua postura autoritária e o ânimo em impor valores estranhos ao país.

Complementando o viés ideológico, enquadra-se o circo montado em torno da salvação do senador boliviano Roger Pinto Molina. O diplomata brasileiro Eduardo Sabóia, herói por acaso, ao que tudo consta, não observou a hierarquia do Itamaraty ao constatar que este vem servindo a princípios ideológicos desconectados do povo de seu país. Tal diplomata, ao salvar o senador de um ditador traficante alinhado com luminares do Planalto, ao que se anuncia, será exemplarmente punido, tendo desobedecido à ideologia vigente na casa de Rui Barbosa. Exemplos assim demonstram que a presidente Dilma, seus auxiliares, aliados e partido renunciaram à legitimidade que seus postos exigem. Eles optaram por rasgar leis e princípios com a finalidade de cumprir a missão à qual se voluntariaram há 50 anos: transformar o Brasil em uma república socialista, a despeito de seus belos discursos democráticos.

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