Controle ou liberdade?

Festejo o retorno da bipolaridade ideológica, hoje aceita como um dado incontestável. O choque de realidade ajuda a dissipar ilusões vãs.

Achei o máximo a queda do Muro de Berlim... para mim era o símbolo que faltava para o mundo abraçar o capitalismo com pitadas sociais, rejeitando por completo o autoritarismo soviético assassino...


A partir dali, idéias que fluíam à sombra (na ansia de liberdade de quem estava do lado errado do muro) seriam acompanhadas de pessoas, bens e serviços circulando livremente, à luz do dia. 

O mundo se abraçaria na nova modelagem de colaboração mundial em que não havia mais necessidade de se preocupar com agentes do mal, já que o bem, representado pelo ideal de liberdade, havia saído vitorioso após décadas...

Isso foi em 1989. Exatos dois séculos após a Revolução Francesa...

Assim, a década de 90 viu o desmonte físico, e sobretudo mental, das estruturas de inteligência e defesa que vigoraram durante a Guerra Fria

Em tal ideário, não haveria mais necessidade alguma de olhar atrás da porta, ou sob a cama, se algum comunista estaria escondido para "devorar" as criancinhas... algo muito comum no auge da guerra fria quando o ocidente construiu bunkers para prevenir um ataque nuclear resultante da corrida armamentista.

O fracasso completo da União Soviética como nação, como projeto, como a idealizada potência tecnológica acabou exposto ao mundo.

Os russos demonstraram ser absolutamente incapazes de produzir mesmo bens básicos de consumo para sua população. Não conseguiram evitar ou controlar desastres ecológicos de grande magnitude, como Chernobyl.

O diagnóstico ficou óbvio: a visão ocidental de organização econômica e social VENCEU!

E o ocidente baixou suas armas. 

O ser comum ocidental entrou os anos 90 com oportunidades econômicas modernizadoras da função do estado, ao mesmo tempo em que a visão universalista passou a se impor na sociedade, nas escolas, na organização dos programas de imigração.

Diferentemente do que ocorre no mundo animal, em que sabe-se haver serpentes peçonhentas ou não, o ocidental, sobretudo o norte-americano e o europeu, decretou: não há mais serpentes peçonhentas! 

O discurso passou a ser:

Todas as serpentes são bonitinhas demais... possuem um aspecto ameaçador, são feiozas, mas isso é uma construção religiosa baseada em um documento ultrapassado e hostil: a Bíblia... ou alguns livros de biologia... Na verdade, seria um conceito não mais aplicável ao mundo pós-moderno... A mesma coisa com bruxas: elas são boazinhas, verdinhas, lindinhas e inofensivas...

A revelação foi contagiosa e atraente (como todas as mentiras bem contadas): o veneno acabou quando o muro caiu!

Não temam mais! A paz e o amor venceram!


Negar a essência animal humana de dominação, conquista e destruição é pura divagação romântica inútil.

Só que essa divagação delirante parece ter virado a norma para muita gente no ocidente, sobretudo aos jovens que valorizam mais o sentir do que o saber.

Voltamos, enfim e obedecendo à circularidade da história, à bipolaridade geopolítica em que meu país, e conjunto de países com os quais me identifico, vê-se ameaçado por ações e discursos de outro grupo de países, cuja cultura não é a minha e que visam destruir nosso meio de vida (sem falsas ilusões ou delírios pacifistas).

Esse fato facilita muito voltar a enxergar a realidade nua e crua: as serpentes são venenosas, havendo exceções: algumas pouquíssimas não o são, portanto a regra geral deve ser observada.

Outra negação que é uma quimera: o tribalismo acabou

Somos tribais, como todos os estudos sérios psicológicos, antropológicos e sociológicos já comprovaram. 

A título de exemplo: o famoso estudo de Tajfe e Billig, intitulado "Social categorization and intergroup behavior" publicado no Jornal de Psicologia Social, Vol 1 de 1971, já ditava o paradigma do grupo mínimo:  

"A simples percepção de pertencer a dois grupos distintos é suficiente para provocar uma discriminação entre grupos em favor do grupo de pertencimento."

Torna-se impossível negar que a identidade - consciente ou não - risca o chão e permite comparações e medidas de proteção, assim como conhecer a distinção entre serpentes venenosas e não-venenosas poderá definir entre vida e morte.

CONTROLE OU LIBERDADE? SÓ UM MODELO SERVE

Temos portanto de um lado (o lado onde me encontro) que prima pela liberdade: de expressão, de iniciativa, de sucesso e de fracasso, baseado em mérito. Esse lado permite grupos de pressão, permite organizações poderosas que influenciam a economia e a política, gerando certamente problemas sociais, humanos, sendo exigido um regime legal que promova transparência, responsabilidade e punição por erros e abusos sob o primado da lei que seria aplicável igualmente a todos (ao menos em teoria).

O lado em que estou faz guerras, mas as guerras são primordialmente contra inimigos externos, contra nações ou grupos destrutivos que querem conquistar ou desorganizar. Essas guerras se justificam pela defesa dos valores, pessoas e território desse lado em que estou, já que internamente há liberdade, há possibilidade inclusive de criticar a tudo e a todos... fazendo com que esse povo defenda com a própria vida esse meio de ver o mundo e de viver.

O outro lado não faz apenas guerras. Ele oprime internamente

Esse outro lado é especialista no controle social em que não há liberdade (tanto que impõem restrições à movimentação de pessoas, exigem vistos dos estrangeiros e impedem a seu povo de viajar para fora ou mesmo internamente, livremente).

O outro lado rouba idéias, comete atos de pirataria constantemente, sendo baseado em castas sociais e políticas que usa e abusa da propaganda, enquanto mantém seu povo subjugado pela ignorância e pela fome.

Para mim, só o modelo em que vivo me serve. Só um grupo social organizado em um território que me permite ser o que desejo e explorar com liberdade todo o meu potencial merece "vencer".

Tenho absoluto desprezo pelo "outro lado", um lado que oprime internamente, promove censura, junta tiranos para predar os próprios povos, calando dissidentes.

A escolha me parece tão óbvia, tão evidente, que torna-se até estranho eu ver-me obrigado a riscar o chão e lembrar aos meus queridos leitores que vivemos novamente a Guerra Fria tendo como principais atores EUA e China, com os satélites de sempre em seu entorno.

Mais incrível ainda é eu ser tentado a ter que explicar que não se trata de um líder ou outro, personificando as relações geopolíticas, que definem esse confronto real.

São sistemas fundamentalmente distintos. 

Os EUA libertaram o mundo de tiranos, especialmente na Segunda Guerra Mundial. Se não tivessem se lançado na guerra contra as ditaduras nazista na Alemanha e totalitárias na Itália e Japão, mortes e sofrimento teriam sido ainda maiores. Se não tivessem lançado as bombas atômicas, muito mais gente teria morrido.

Já a União Soviética, hoje representada pela idéia do bloco hegemônico dos repressores liderado pela China, impuseram sofrimento e morte por todos os lugares onde passaram escondendo-se por detrás de bem elaboradas manipulações da propaganda e da psicologia, pois se na realidade são deprezíveis, no simbólico se impõem.

Sejamos benvindos a uma era em que não há mais ilusões de que a serpente é peçonhenta e precisa aproximar-se dela com imenso cuidado, pois a picada pode ser fatal.







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