As Novas Guerras Púnicas

Plutarco disse em "A vida de Marcus Cato" que Scipio Nasica foi o único líder romano que compreendeu as desvantagens da completa destruição de Cártago pelo poderoso Império Romano


A crítica de Scipio é descrita por Will Durant em sua obra Caesar and Christ, Ed. Simon & Schuster, NY, p. 35: "Roma manteve-se grande enquanto seus inimigos lhe forçaram a ter união, visão e heroísmo. Quando ela os superou a todos, floresceu por um período e depois começou a morrer". 

O Império Romano desapareceu na Europa no Século V, e no Oriente no Século XV (com a queda de Constantinopla para os Otomanos), mas sua herança civilizatória, inclusive jurídica, ainda influencia o mundo em que vivemos. Conhecer a história é necessário, pois ela costuma se repetir. 



Eliminar totalmente o inimigo causa soberba ao vitorioso, passo inicial para sua decadência e desaparecimento, por seu próprio convencimento e repetido descuido.

O filósofo Francis Fukuyama cedeu à tentação de achar que, com o fim do pretenso império soviético na esteira da queda do Muro de Berlim, o sonhado equilíbrio da humanidade teria sido atingido, um certo Fim da História. Sabemos que essa idéia é uma quimera, tendo inclusive o filósofo tentado se retratar, mas era tarde e o conceito - equivocado - parece que ficou colado ao seu nome.

O que vemos hoje é a civilização ocidental relutando em admitir que o inimigo não se foi. O inimigo se reorganiza sempre, ficando cada vez mais ameaçador e poderoso, exigindo dissuasão.

A parceria, de natureza puramente comercial, entre grandes inimigos existe unicamente nas aparências, já que fundamentalmente coexistem visões de mundo antagônicas por meio de um fio tenso. Há pessoas que comodamente vivem de aparências, tendo preguiça em investigar e, como consequência, compreender a fragilidade da paz mundial. As armas nucleares têm contido, há mais de 70 anos, impulsos violentos e o Grande Confronto, aquele com potencial para aniquilar a quase totalidade dos seres vivos sobre a terra.

A invasão da Ucrânia vai portanto além de uma guerra territorial em que Putin e seus mafiosos pilham riquezas daquele país, enquanto deixam um rastro de destruição humana e material. Na realidade, o Oriente, tendo a Rússia como ponta-de-lança, desenha uma nova geopolítica e vários são os países que possuem o próprio sonho hegemônico. 

A Pax Americana, em que ainda vivemos, decorreu da adesão espontânea de aliados, sobretudo na OTAN,  após o longo e desastroso confronto da Grande Guerra 1939-1945. Essa Pax preserva valores caros ao mundo ocidental: o legado dos romanos, civilização revisitada e traduzida em liberdade pelo Renascimento, sucedido pelo Iluminismo, que sepultaram as trevas do dogmatismo religioso e político (por quanto tempo?). 

Como indicado por Durant, união, visão e heroísmo orientam o povo da Ucrânia há mais de seis meses. Sua população resiste bravamente ao esforço genocida russo, com apoio da OTAN, a despeito da violação de sanções por vários países.

Um desafio crescente se impõe à Europa: o terrorismo energético de Putin já causa inflação e revoltas sociais. A Europa é fundamentalmente dependente do gás russo. Seu inimigo está identificado, a despeito de europeus transacionarem com ele (por meio de oligarcas e assassinos) há décadas.

A pergunta que não cala seria: até quando

Até quando a população européia - e norte-americana, já que os EUA fornecem diariamente toneladas de armamentos caros e sofisticados à Ucrânia - aceitará o terrorismo de estado russo sem fraquejar? 

Até quando o mundo suportará um estado terrorista tão poderoso e influente como o russo e seus aliados (ocultos e ostensivos), que tem conseguido desajustar a economia de continentes inteiros?

Quando chegará o momento descrito por Durant, de união, visão e heroísmo para uma frente mundial contra os abusos de um regime, de um ditador, que está causando stress imenso em quase todos os países do planeta?

Sabemos quem são os loucos, os piromaníacos. 

Resta identificar como os moderados e heróis se organizarão para neutralizarem a ameaça global e forte dissuasão permitir o retorno ao tênue equilíbrio experimentado nos últimos 80 anos.

Boa citação de Plutarco:

Não preciso de um amigo que muda quando eu mudo, que acena com a cabeça quando eu aceno; minha sombra faz isso muito melhor!



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