O espelho de Noam Chomsky

Como muita gente tem atribuído a Olavo de Carvalho os fundamentos filosóficos e a orientação ético-política (existe isso?) de vários luminares do governo Bolsonaro (ou até mesmo do próprio governo), arrisco aqui a fazer certas comparações.

Não há dúvida que Olavo é um sujeito brilhante e, acima de tudo, muito articulado. Seus textos são densos e incisivos. A despeito da ausência de formação acadêmica formal, não tendo seguido os caminhos tradicionais que estruturam a linguagem científica e da pesquisa, ele é curioso e vê-se que leu (lê?) muito.

O fato de jamais, ou quase jamais (desconheço detalhes, arrisco...), ter-se submetido a comitês de leitura, bancas examinadoras ou ter-se sujeitado a ser avaliado por pares (que naturalmente não possui, pois inventou a própria linha didática e literária, sendo impossível encontrar dois Olavos), deu-lhe ampla liberdade criativa. Só que, por outro lado, esse fato lhe tolheu a capacidade de fazer auto-crítica.

Seu tom cáustico e, muitas vezes (ou quase sempre) chulo, transforma sua dinâmica na melhor representação do supremacismo (racial?): ao desmerecer e humilhar seu debatedor, demonstra não suportar enfrentar fragilidades em sua lógica. O ataque vigoroso torna-se não apenas na melhor defesa de seus pensamentos: ele deseja ganhar no grito, arvorando-se mais informado, inteligente, erudito, etc... que os demais (ao menos não parece ter-se arvorado ser o mais bonito... rsrrsrs).

A despeito de eu achar que palavrão integra a cultura de um povo, Olavo parece gostar de navegar entre a sarjeta e o pedestal. Vaidoso (mitômano parece mais adequado), gosta de receber elogios pelo seu intelecto e esforço literário e ao se identificar com o boteco e a pinga na linguagem utilizada, Olavo confunde o termo acadêmico vulgarização, tarefa nobre do transformar textos científicos em algo compreensível aos com menos estudo, com vulgarizar, ou tornar de baixo nível o diálogo intelectual, enchendo-o de palavrões e ofensas.

Agora que Olavo encontrou o apogeu, a glória e a notoriedade de quem influencia até mesmo a política externa brasileira, a auto-crítica passará - se já existente algum dia - ao último plano, prioridade zero.

Olavo parece buscar construir a imagem de um homem do povo, o que demonstra o peso da bagagem que carrega do passado comunista (isso mesmo, ele foi comuna).

Li passagens suas em que despreza o ensino formal (infelizmente, nesse ponto, parece comungar da visão de mundo do presidiário petista, em que o real vale mais que livros). Apesar disso, articula idéias complexas, criando algoritmos sofisticados com informações de natureza variada que impressionam aos ouvintes, muitas vezes menos pelo conteúdo e mais pelo vigor com que enfrenta "adversários".

A produção literária de Olavo é impressionante, demonstrando ser ávido leitor e prolífico digitador (ou será que dita para a máquina?).

Da expressão de sua visão de mundo, transpôs suas idéias ao ativismo político. Parece que por vários anos havia tentado fazê-lo, mas bateu cabeça antes de virar celebridade em seu mundo parcial, de um público radical, agora aboletado ao lado do poder eleito tupiniquim.

Transformado em arauto da direita revolta, seus cursos privados - não vinculados a instituição acadêmica alguma - fizeram discípulos que viraram gente importante no Brasil atual.

Ele carrega a marca de sua geração: é uma versão maluco-beleza da filosofia, bem no estilo do falecido parceiro de Paulo Coelho, este também possuidor de inteligência, persistência e, arrisco, motivado pela falta de oportunidade (bem como alguns alucinógenos, como PC já admitiu). Esses personagens usaram seus dínamos internos, formação eclética e determinação para criarem algo em que sempre acreditaram... contaminando mentes por linguagens diversas.

É claro que Olavo tem ídolos e anti-ídolos. Consta que seja um ser humano, então é natural haver figuras importantes, modelos que servem ou serviram como suas balizas, em momentos específicos da vida, para orientar o caminhar. Seriam os tais benchmarks, como é chique dizer.

Acho que o modelo (antagônico?) do Olavo é o Noam Chomsky. Esse bruxo filosófico yankee faz enorme sucesso a partir do MIT, em Cambridge. Com seu estilo e visão de mundo próprios, propõe-se não apenas a desnudar, mas a destruir a cultura norte-americana. Noam figura no altar da doutrina do auto-ódio (self-hate), representado pelo mea culpa constante de alguns líderes, notadamente democratas, nos EUA, tais como Obama (impressiona muita gente, dá voto e no fundo é a hipocrisia de sempre).

Noam serve muito bem aos propósitos anti-americanos (dentro e fora do seu país), pois ele afirma que os EUA são a representação política e econômica de um modelo e establishment falidos, podres, exploradores de coitadinhos mundo afora. Os EUA seriam, enfim, o pior daquilo que a humanidade poderia ter produzido e precisam ser, caso não reformados, destruídos.

Noam é interessante, seus textos são magnéticos, envolventes, sendo verdadeiro dínamo da produção acadêmica e do ativismo de esquerda. É óbvio que tem coisa aproveitável no que escreve...

Noam tem uma envergadura acadêmica impressionante, circulando muito bem e sendo respeitado por pares célebres. Imagino que Olavo, no fundo, se remoa por não ter (e nunca terá) tal projeção, pois seu público é limitado em número e diversidade, no espaço e no tempo.

As idéias de Noam são autênticas, fortes.

Image result for igrejinhas

Noam eregiu sua própria "igreja", fazendo seguidores (dentro e fora da academia, por meio da vulgarização de idéias científicas), como um profeta...

Alguns tentaram mimetizar isso para o filósofo tupiniquim radicado no estado da Virgínia, cunhando o tal "Olavismo", exagero que, confesso, passei a conhecer muito recentemente, por curiosidade em entender o que se passa na cabeça do chanceler brasileiro Ernesto Araújo.

Mais polido, acadêmica e literariamente, que Olavo, Noam fez escola: escolhe suas batalhas, seus alvos e seu público, fundamenta bem idéias e parte para o ataque. Sectário, ele cria seguidores na mesma dinâmica messiânica daqueles que supõem-se acima do bem e do mal. Seu público é o de sempre: os marginalizados pelo establishment, que na academia, nos EUA e mundo afora, assumiram despudoradamente a postura anárquica e desconstrutora.

A escolha de Olavo parece ser outra, a despeito do modelo Noam.

Leitor das dificuldades brasileiras, Olavo fez um spaghetti em que mistura tradicionalismo religioso, conservadorismo e a exigência de uma maior racionalidade na governança brasileira. Seu pensamento parece ter considerações válidas, sendo entretanto difícil vencer resistências sobre tom e forma como são colocadas.

Teve gente que comparou Olavo a Mangabeira Unger, por ambos serem brasileiros radicados no exterior. Seriam extremistas, só que em campos opostos. Entendo que apenas o fato de viverem no exterior é o traço comum. Os dois não tem nada a ver, especialmente no que diz respeito a envergaduras acadêmica e intelectual.

Mangabeira Unger tem um papel inegável na academia jurídica sendo, juntamente com Duncan Kennedy, o criador da Escola Crítica do Direito, que trouxe enormes contribuições para a ciência jurídica por unir sociologia, direito e ciência política. Sua teoria crítica sobre ângulos de influência do poder na confecção das normas (locais e internacionais) é valorizada pela comunidade científica.

Mangabeira Unger equivocou-se completamente ao tentar entrar para a política. Fracassado, retornou ao seu lugar - o da insignificância nesse campo - rapidamente. Os que o comparam a Olavo o fazem unicamente por profunda ignorância da envergadura de seu trabalho científico em Harvard (sim, ninho esquerdista de idéias chomskyanas, da universidade vizinha). Mangabeira é um pesquisador sério e a despeito de várias de suas propostas (a maioria) serem absolutamente utópicas e inocentes, são desprovidas de má-fé ou intenção manipuladora (certo Gramscismo é visto em sua obra...). Mangabeira não padece da vaidade chomskyana ou olavista e desconheço ter partido para ataques pessoais ou chulos contra quem quer que seja (à exceção do artigo publicado na Folha de S. Paulo em que - com total razão e conhecimento de causa - bem identificou em Lula o maior corrupto do Brasil).

Resta saber o quão as idéias olavianas influenciarão efetivamente a política externa brasileira. Sua presença em jantar da Casa Branca é indício de algo ocorrendo às escuras, já que não foi nomeado a cargo algum não prestando contas, portanto, a ninguém fora de seu círculo íntimo. Naturalmente, isso causa imensa preocupação.

O Brasil está farto de agendas ocultas e poderes paralelos.

Olavo, se quer influenciar algo nos desígnios nacionais, além do direito de fazê-lo, tem a obrigação de assumir um cargo para que responda, sob as penas da lei, por qualquer equívoco ou abuso em seus atos e conselhos.

Não gostaria de comparar, mas é necessário.

Marco Aurélio Garcia, aquele crápula que nunca prestou contas de suas maldades lesa-pátria, foi a eminência parda que articulou o Foro de São Paulo subordinando os chanceleres brasileiros à sua agenda partidária.

Eu detestaria ver o governo Bolsonaro, eleito democraticamente com a obrigação de limpar Brasília de forças ocultas e introduzir uma governança pública responsável e saneadora, contar com uma eminência parda, na tradição petista acima citada.

Espero que alguém atente para isso rapidamente e, se for para seguir conselhos, que os ônus acompanhem os bônus do prestígio, das portas abertas, dos tapetes vermelhos e das prosopopéias que impactarão no mínimo 210 milhões de pessoas.

Mais lidos

O esgotamento do diálogo?

Demência ou mau-caratismo?

Esquizofrenia, banditismo e Magnitsky

Lula e a história do sindicalismo brasileiro

Visitando o Partido Novo

Espanha: assistimos ao início do fim do supremacismo esquerdista?