Representatividade

Começo com um texto de quem muito admiro, Hannah Arendt, que escreveu diversas obras sobre totalitarismo e mazelas políticas. Tiro o trecho abaixo do seu livro seminal Da Revolução (p. 220):

"o problema é que a política se tornou uma profissão, uma carreira, e que, por conseguinte, a “elite” está sendo escolhida atendendo a padrões e critérios que são, eles próprios, profundamente apolíticos

Ao ver a votação na Câmara dos Deputados, é forçoso constatar quantos ali presentes praticam a tradição política familiar

São filhos, netos e parentes de políticos que dominam a dinâmica eleitoral, os currais, as formas de gestão e arredação de recursos e apoios permitindo que seus clãs prosperem com poder político e, certamente, econômico. 

Essa "tecnologia hereditária" está fora do alcance dos mortais, sendo explicável do ponto de vista histórico em muitos países. 

Necessariamente, em países atrasados politicamente, como o Brasil, ela permite a persistência de um ciclo de poder pernicioso, destrutivo e não representativo.



É claro que pode até haver filhos, netos, sobrinhos, cônjuges e primos de políticos que possuem luz própria, que com brilhantismo poderão agregar à cena representativa. Só que já partem de uma posição privilegiada, de uma vantagem competitiva que, por si só, desvirtua a democracia representativa. Eles herdaram influência, cacoetes e valores de gente que, na maior parte das vezes, sugou riquezas e energias do Brasil, caso contrário o país estaria comparável à Coréia do Norte e não à Venezuela, nesse momento.

Não volto à idéia de Churchill, repisada onde diz que democracia é o pior sistema de governo, apesar de estar à frente dos demais já tentados. Sou fã da democracia, mas temos que nos aprofundar mais no que ela significa e como deveria ser praticada.

Os partidos de esquerda sempre postularam pela representação direta, sem intermediários, sem deputados, pleiteando afastar-se do risco da representação falseada, como eu indico acima. Só que estão errados no caso brasileiro. Importam um modelo apenas para aperfeiçoarem sua técnica de manipulação do povo, como atualmente o PT faz, por si e seus agentes (MST, CUT...) dizendo que qualquer novo governo acabará com programas sociais, Bolsa Família, etc.

É sempre um perigo a representação direta e ela torna-se proibitiva em um país com baixíssimo nível educacional como o Brasil. 

A Suíça utiliza esse método, mas compõe-se de uma população pequena, dividida em uma confederação onde cantões são mínimos e as pessoas quase que se conhecem pelo primeiro nome. 

Já no Brasil... a possibilidade de manipulação em um referendo ou votação direta não constitui dúvida, mas uma certeza. Manipulação de um povo ignorante é a fórmula para o domínio ideológico tão ruim quanto o domínio pela força, praticado pelos coronéis.

A votação do Impeachment é uma vitória política das oposições, não resta dúvida. Ainda que sejam oposições oportunistas, como o PSDB que sempre fica encima do muro esperando uma boquinha.

Juridicamente se justifica, pois as pedaladas fiscais afrontam a lei de responsabilidade fiscal. 

Esse papo de golpe é uma falácia. Dizer que os que fizeram errado antes justificariam o crime repetido, não cola. Aliás, é bem típico o PT invocar o estado de direito quando se vê ameaçado, mas quando pode sempre afronta a ordem vigente, não tendo votado pela Constituição que tanto invoca, nem apoiado a delação premiada quando ela foi progressivamente revelando seus crimes...

A votação do Impeachment, por si só, não é o ponto hoje desse post. 

Minha questão é a qualidade da representação política no Congresso Nacional. 

Fico sempre desanimado com o cenário que vejo...

O Brasil é atrasado não por causa de seu povo, de suas universidades, cientistas, empresários...

Ele é atrasado porque a população - inclusive a esclarecida e estudada, que adora uma casquinha do poder - apoia, majoritariamente, oligarcas e famílias que mandam na política há gerações. Muita gente acha chic tirar foto do lado de gente dita importante, mas que na verdade deveria cumprir ordens dos que lhes elegeram.

Já disse: pode até ter gente boa com sangue tradicional, só que não se constrói uma democracia estável, socialmente evolutiva e arejada, com gente que não larga o osso, que acha que tem o direito divino de continuar mandando só porque o pai, avô ou parente foi isso ou aquilo.

Partilho o conceito de um povo que fugiu da escravidão e de uma estrutura de poder para criar seu próprio estado, visando escrever sua história como um povo livre. Minha inspiração histórica e de auto-determinação vem da Bíblia, independentemente de minha religiosidade ser anã ou nula.

Coronéis, oligarcas, patrimonialismo, clientelismo, todas essas palavras que estamos cansados de ler sobre a história do Brasil permanecem presentes no dia-a-dia, nas decisões que são tomadas, nos conchavos que impedem a evolução brasileira e o uso de sua genial potencialidade.

O PT aliou-se a esse pessoal e agora sente-se traído. O PSDB fez escola. Outros partido não merecem nem mesmo ser citados, já que o PMDB é a fisiologia incorporada, sempre mantendo a taça de champagne levantada para brindar suas conquistas.

Ora, o PT transformou-se em um deles, igualou-se, achou-se melhor e tomou ferro. Quis fazer sua engenharia social na marra, achando que o país é seu, virando o outro lado da mesma moeda dominadora pelo dinheiro e pelo discurso mofado.

Além disso, o PT chegou ao limite de várias alas conservadoras brasileiras que dominam o Congresso Nacional. 

Mesmo diante dessa elite política altamente corrupta e incapaz de ceder espaço à real representatividade, o PT nada fez, pois governou para seu grupelho, roubou para garantir seu projeto de poder. Enfim, Lula avaliou extremamente mal as alianças espúrias que fez, posto que revelou-se como o verso da medalha criminosa do esquema que grassa o Brasil desde sua descoberta (piorando após a vinda da família real).

Fazer nova eleição não iria adiantar nada.

Michel Temer assumirá e acomodará interesses como o PT fazia até muito recentemente.

Quero acreditar - se ocorrer, será felizmente - que Temer retirará do cardápio das opções nacionais a ideologia grotesca do Foro de São Paulo, do Movimento de Não-Alinhamento e do fomento aos conflitos capital-trabalho, luta de classes e outras baboseiras que apenas separaram, destroem e atrasam.

A reforma política não virá. 

Poderá vir alguma maquiagem, mas diante do perfil altamente conservador de vários deputados e senadores, cujos rostos vemos na TV Câmara e Senado, esqueçamos uma mudança que realmente oxigenará o país, desasfixiando-o.

Aliás, o que virá com certeza será um pacote fiscal pesado, penalizando mais ainda cidadãos e empresas, nada mudando no cenário dito nesse meu post.

Sim, somos seres sociais e políticos. Devemos ser.

Só que, no Brasil, somos convidados a não participar da política. Somos legados à posição de seguidores, espectadores, mesmo quando saímos à rua ... daí a evangelização de grande sucesso... a transposição da subordinação ao estado para a subordinação ao pastor...

Os políticos profissionais apenas querem conversar conosco para pedir voto. 

Alguém dirá que é assim no mundo todo, mas no Brasil é pior, pois acabaram com o voto distrital há décadas. Assim, depois de receber seu voto, o eleito acha-se detentor de um cheque em branco... para não mais dar as caras onde fez promessas... 

Por isso políticos ficaram inicialmente com medo do Impeachment por impopularidade, que é o coração da tese petista de golpe. 

A oligarquia política que anda solta por aí, mandando na população por gerações, detesta essa idéia. 

Eles querem continuar o esquema: votou... dá-se uma banana à população. Daí a 4 anos voltam prá pedir voto de novo, dando algum agrado... asfaltando alguma coisinha, dando ambulância ou abrindo alguns leitos de hospital...

Minhas palavras podem parecem em vão, por algum desânimo. Se reitero que com essa classe política (salvo honrosas exceções, pessoas que conheço e admiro muito) não tenho esperanças de reforma, redução do legislativo federal, fim do bicameralismo (prá que Senado?) e maior oxigenação, do desânimo surgirá a vontade de mudar... de participar... que espero te contagie também.

Sim, quero que o PT saia do poder. 

Não, não acho que isso resolve os problemas brasileiros... é um começo apenas. 

A caminhada é longa e o momento é de aproveitar a experiência recente (2 Impeachments são currículo para qualquer cidadão que se diz doutor no assunto) para indicar algum caminho, especialmente diante da ensurdecedora timidez dos partidos de oposição sobre enfrentar a estrutura política brasileira.

O que se vê então? O que constato?

Que a oposição é farinha do mesmo saco oligárquico político. Basta ver as dinastias que a compõem, salvo raras e honrosas exceções. Basta ver a subordinação de luminares, gente em ascendência, diante dos caciques que mandam, que mantêm uma estrutura verticalizada, sufocando novos valores, pensamentos, ações... mais alinhados com a população esclarecida que clamou pela mudança e tomou as ruas.

Relato, para finalizar, minhas tentativas frustradas de mais de uma década tentando dialogar com gente graúda de certo partido político. 

O intuito era apresentar visões diferentes, ver se poderiam se sensibilizar para certas questões que, encastelados, não estavam enxergando.

Não quiseram - nem querem - ouvir. Prá que? Prá mudar? Não tem concorrência mesmo...

Tudo continua sendo decidido entre quatro paredes. 





Eleições primárias (como se vê hoje nos EUA) são rejeitadas, para não "expor" candidatos a uma fissura causada por um debate que, suspeito, nem internamente é feito.

E assim caminha o Brasil...





Mas não percamos a esperança, pois um dos valores conquistados na redemocratização foi a liberdade de expressão. 

Já que não posso mandar ou influenciar o processo, ao menos posso ESPERNEAR !






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