Política, futebol e negócios

Você não começa uma reunião de negócios em Minas Gerais falando como um dos times locais jogou mal, etc., não é mesmo?

A probabilidade de ofender alguém à mesa - geralmente de quem você precisa para firmar um negócio, ser contratado, vender bens ou serviços, etc. - é grande. Seria burrice travar tal diálogo, que poderia azedar o ambiente e te dar prejuízo (ou a seu cliente).

Já vi muito estrangeiro fazendo gracinha sobre a matéria, achando que abordando a paixão brasileira, logo de partida, poderia estar criando alguma intimidade (consta na maioria dos livros "Doing Business in Brazil"). Para clientes meus eu sempre sugiro: deixe costumes locais que você não conhece absolutamente fora da pauta na mesa de negociação e se houver um Happy Hour, então fique à vontade para dizer: não conheço nada de futebol, mas ouvi dizer que as disputas locais são ótimas e dão muita conversa...

Paixão por futebol é pura emoção e não contém nenhuma racionalidade. Ela advém da necessidade da busca da identidade de grupo, por afinidade familiar, amizades, bairro, ou até conveniência, etc.

Daí tantos esforços de marketing dos clubes para tentar evitar o clima de guerra e conter torcidas animadas, por vezes violentas.



Já em política, a coisa precisa ser diferente. Muito diferente.

O debate é de idéias e ações, na melhor definição de cientistas políticos.

A política é o embate de visões de mundo, com eleição de ações de curto e longo prazos, cada ator pesando o pessoal e o coletivo, mas sobre uma base de valores que precisa ser compartilhada.

O resultado deverá ser sempre algum consenso e concessões, caso contrário nada se constrói. O impasse não leva a lugar nenhum.

Há uma tendência natural, bem brasileira, de o embate na política se transformar na queda-de-braço do futebol ou outro esporte passional. Isso parece um erro, pois o resultado ideal jamais será 1 x 0 ou 0 x 1.




Em política, o resultado ideal é 0 x 0.

Ao menos é o que me parece após ler bastante e vivenciar vários ambientes e épocas políticas diferentes.

Os interesses em uma coletividade são tão variados, as demandas também, que não é possível imaginar que a soma deles possa idealmente gerar algum dividendo unicamente para um dos grupos. Quando alguém faz política assim (a semelhança do raciocínio com o fim do petismo não é coincidência), some logo do mapa.

A base de valores também deve ser a mesma: honestidade com a coisa pública, interesse coletivo, observância das regras, preocupação com gerações futuras, mas responsabilidade com gente ativa e aposentados, etc.



Isso é especialmente sensível se considerarmos que o cobertor é curto, o que traduzindo significa que não há recursos (financeiros, humanos, técnicos...) para fazer tudo o que a sociedade demanda e escolhas - muitas vezes duras - precisam ser feitas.

Em minha adolescência vivi a redemocratização do país, mas havia um temor grande sobre o que, quando e contra quem falar. A ditadura deixou marcas fortes e o medo de autoridades de uniforme existia a todo momento. Minha geração cresceu com medo da PM e do Exército, pois sabia ou iimaginava o que haviam feito nos calabouços dos DOPS - com o salvo-conduto dado por generais e governadores cooptados - induzindo-nos a "não criar caso". O lema era: "em boca fechada não entra mosquito!"

Superado o trauma antigo e podendo viver intensamente o ambiente democrático, nada mais natural do que permitir-se e estimular o debate político, visando a melhoria da vida da coletividade que nos cerca.

E nos negócios?



Sempre achei deliciosa essa antiga sátira do Quino, onde novos paradigmas servem muitas vezes para recriar a antiga monotonia (dos vencedores).

No mundo dos negócios não deve haver restrições sobre assuntos políticos, mas é claro que devem ser moderados.

Alguns amigos me perguntam se, através desse blog e dos meus artigos de jornal (o primeiro publicado em 1997...), eu não estaria me prejudicando comercialmente. A lógica é que alguns clientes (especialmente os potenciais) poderiam se sentir desconfortáveis diante de alguém que, apesar de tecnicamente reconhecido, expõe de forma muito clara suas posições políticas.

Sinceramente? Acho que não.

Primeiro, porque é importante trabalhar com alguém que tem opinião, ao meu ver. Como advogado, só consigo defender clientes se além da objetividade, eu conseguir convencer o outro lado da mesa de que a posição do cliente deve ser considerada e até mesmo aceita.

Ser neutro em uma negociação pode ser uma opção estratégica, mas essa neutralidade jamais decorre da ausência de opinião e crítica do interlocutor e seu representante. Caso contrário, nem mesmo se perceberá se o jogo virou e ficou desfavorável. A reação do advogado em prol do seu cliente é fundamental, e ter opinião faz parte disso.

Segundo, porque o exercício da cidadania é uma enorme conquista que a minha geração viveu intensamente. Como posso esquecer que toda a ladroagem que ainda persiste no Brasil afeta adversamente o ambiente de negócios? Vou ficar calado e dizer que tudo está às mil maravilhas?

Como posso aceitar passivamente um governo que jamais cumpre o que diz ou promete?

Como posso aceitar que indivíduos alçados a posições de responsabilidade na administração pública não honrem o mandato que receberam, utilizando-se de seus cargos apenas para beneficiar-se e aos seus amigos?

A noção de governança privada, para mim, em nada difere da pública.

E como advogado, além do código de ética, devo defender valores da sociedade em que me insiro. Em meu caso, inclusive, pertenço a duas entidades profissionais (Brasil e Québec), o que me obriga buscar o melhor desempenho profissional. Não posso perder de vista demandas de justiça em tais sociedades, comparando-as o tempo todo e tentando fazer "inseminação artificial" de coisas boas, de um lado pro outro. Ao menos tento arduamente.

Assim sendo, entendo que nem todos gostarão de minhas opiniões. Ou da forma como as expresso.

Só que prefiro falar do que calar. Prefiro opinar do que apenas deixar que opiniões alheias colem em mim como tatuagens, sem crítica nenhuma.

Mas também ouço e desejo ouvir.

Se ter opinião, ou externá-las, IS BAD FOR BUSINESS, então quero crer que as pessoas que pensam assim ficarão realmente muito melhor sem contar com meus serviços.

Não conheço líderes que são longevos e com real sucesso apenas cercados de puxa-sacos.

Quem deseja unanimidade de opiniões e bajulação em torno de si não enxergará adversidades no horizonte, não terá trocas ricas de idéias e se contentará com a mediocridade, mesmo que algumas vezes consiga um bom saldo bancário.

Acho que a existência é curta demais para ficar parado, quieto, abanando a cabeça a tudo e a todos.

Viemos ao mundo para trocar, conversar, divergir e depois, na soma de tudo, construir.

É o que acredito... e se você tem opinião a respeito disso tudo e algo mais, convido-te a deixá-la registrada.

Muito obrigado e tenha um ótimo dia.

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