Indignação e paisagens

Conciliarem-se interesses exige ciência e paciência, a moderação sendo uma qualidade esperada de gente madura, independentemente da idade. Há loucos e amorais idosos (os famosos "velhacos"), enquanto há jovens que parecem ser a reencarnação de antigos filósofos ou de Buddha... A cada dia que passa, convenço-me que o tempo não cura muitas coisas.

Conciliar pessoas, idéias e interesses não significa, entretanto, anulação. Sem estrutura, sem fundação, nada é construído e a conciliação sem considerar todos os ângulos expostos e partes envolvidas não poderia ser assim chamada, pois se trataria de submissão.

Finalmente, amadurece o uso das mídias sociais, que vitimaram gravemente a geração nascida em meados dos anos 1990. Tal geração saiu de um paradigma histórico humano real e tangível diretamente ao virtual, sem qualquer guia ou manual de uso aos pais ou tutores. A geração Z, ou pós-milênio, foi criada, testada e "programada" sob a violência nua e crua de um mecanismo de mobilização social inovador, mas desconhecido até então.

Sabemos que a resistência às mudanças é reação natural da maioria dos seres vivos. A rotina, o cotidiano, feliz ou infeliz (sim, há sofredores que não sabem serem capazes de libertarem-se dos próprios tormentos ou opressores), traz segurança e, sobretudo (talvez o mais importante), previsibilidade

Não à toa somos adeptos da consulta meteorológica diária. Apreciamos saber, antes de sair de casa, se choverá ou fará frio para nos prepararmos para curtas ou grandes expedições.



O ócio e a busca constante da estabilidade sustentável são tendências naturais, esperadas de pessoas razoáveis. As exigências do cotidiano, entretanto, nos obrigam a sairmos de nossa zona de conforto para perseguirmos uma realidade mais satisfatória para nós e aos que prezamos, no que denominamos "conquistar um lugar ao sol" (que brilha para todos indistintamente).

Reconhecer, no cotidiano, elementos de desarmonia, dissonância e, sobretudo, ameaças ao modo de vida, identificando inimigos - sobretudo humanos - sempre foi um requisito de sobrevivência das espécies.

A conjunção entre mídias e riscos sociais trouxe novamente ao cenário ocidental a famigerada figura do censor político.

Em vários países, a novidade das redes sociais encanta e apavora, une pessoas para boas e más causas, sendo usadas para encontros amorosos, harmoniosos e identitários, bem como para promoverem e disseminar preconceito, medo e terror.

Charlatães e falsários são um aspecto da vida humana. Sempre existiram, sendo por vezes identificados e combatidos de maneira lógica e organizada, como por exemplo os falsos Xamãs, que manipulam a boa-fé e pessoas desinformadas ou inocentes para benefício próprio e, sobretudo, prejuízo das pessoas afetadas. O combate aos falsos profetas possui relato bíblico, provindo de tempos imemoriais, sendo tão constante quanto a recriação ou renovação de tais figuras, sob diversas roupagens. 

Aqueles que ocupam posição transitória ou permanente de autoridade, pelo isolamento social que a representação de interesses públicos pode acabar por causar, sujeitam-se muito mais ao risco de tornarem-se falsos profetas

Canetas poderosas, privilégios e isolamento dos problemas mundanos tenta-lhes a se desvirtuarem (se é que foram virtuosos, em algum dia de suas vidas), podendo transformá-los em tiranos com facilidade, prejudicando algumas ou muitas vidas.

É aí, então, que entra o ato de indignar-se, reação natural do ser humano quando percebe-se ameaçado, situando-se na mesma linha do instinto de sobrevivência.

O problema é que a indignação, como a própria palavra diz, apenas é válida se houver, além do sentimento, a ação.

Sentir-se mal, ameaçado, mas nada fazer ou congelar diante do perigo, é uma reação comum. Tem gente que sente isso diante de um urso, um lobo ou um cachorro bravo, ou de um assaltante ou estuprador, sendo vitimada.

Afinal, enfrentar predadores exige preparo, técnica, e novamente, o ser humano tem dificuldade em sair de sua zona de conforto para improvisar e arriscar perder muito por ações desastradas. Reagir exige sentimento, indignação, mas também certa ciência. Não por acaso, a prática de artes marciais para auto-defesa tem crescido em grandes centros urbanos, onde educação, respeito, segurança e cortesia tornaram-se raros.

A liberdade de expressão é uma conquista recente na história moderna.

O fim das leis religiosas impostas à sociedade, a abolição do crime de blasfêmia, sobretudo nos países ocidentais, tornam tais sociedades mais ventiladas, oxigenadas, permitem-lhe buscarem o desenvolvimento de todos os grupamentos humanos sem grandes restrições ou limitações.

Ocorre que, nessa segunda década do século 21, a tecnologia desafia, mais uma vez, convicções e o poder instituído.

Galileu Galilei, o Pai da Ciência Moderna, publicou, em 1632, seu "Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo", onde defendeu o heliocentrismo. Foi julgado por heresia e forçado a se retratar, passando o restante de sua vida sob prisão domiciliar.

Atualmente, estamos diante de autoridades eleitas (ou não), apavoradas com a possibilidade de o mundo girar em torno da livre manifestação popular, ao invés de girar em torno de si próprias, da autoridade instituída (muitas vezes usurpada por meio de estratagemas políticos ou jurídicos), de grupos sectários auto-eleitos como iluminados.

Autocratas, ditadores, jamais preocuparam-se muito com legitimidade... e é o que se percebe nos dias atuais. Hitler, Mussolini, Mao, Chávez, Morales e tantos outros do passado e do presente possuíam e possuem leis e juízes, mas nada do que propõem tem legitimidade... não se assenta nos valores humanos, ainda que a maioria silenciosa guarde-se em seu próprio lar, amedrontada.

Do sentimento à ação. 

Só com ação, a indignação servirá para algo positivo, assentado sobre o desejo de manterem-se as conquistas de liberdade que não pertencem a pessoa ou a grupo algum, e sim à coletividade difusa, indistinta, não-identificável.

Por essa razão, qualquer censura a qualquer meio de comunicação é absurda, condenável e seus perpetradores, por mais polidos ou lustrosos que sejam, devem ser expurgados da sociedade, pois a ameaçam em seu valor mais caro e profundo: a liberdade.

Como mineiro, nascido e criado em Belo Horizonte, aprendi a entender e admirar o lema do meu estado natal: LIBERTAS QUAE SERA TAMEN. A liberdade chega, ainda que tardiamente, valendo a pena por ela lutar.



Por essa razão, o banimento do imenso e importante canal de mídia social X no Brasil por um punhado de autoridades deve causar indignação coletiva irresistível, não possuindo legitimidade, nem justificativa alguma.

Por isso é necessário que gente de bem aja, mobilize-se contra abusos de pseudo-autoridades que colocam-se acima da coletividade. Por detrás de teorias ou palavras elaboradas, tais pseudo-autoridades (posto que desprovidas de legitimidade quando abusam de prerrogativas que constituem privilégios transitórios) escondem o inconfessável, o que não pode ser ocultado: sua própria insignificância, insegurança e inferioridade moral.

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