A raiva, a revolta, o ódio represado que explode facilmente.

Ocidente e Oriente

Conheço a Europa como o berço da civilização, a despeito de povos do Oriente demonstrarem total discordância com esse conceito que me foi ensinado na escola. Nascido no Brasil, sou fruto da cultura européia com contaminações da cultura indígena brasileira e africana, pouco tendo ouvido ou sabido das culturas orientais até tenra idade. Despertou-me curiosidade em conhecer um pouco culturas de onde fazia noite, enquanto onde eu morava fazia dia. 

Milênios atrás, povos Orientais construíram civilizações baseadas em elementos cosmológicos bastante distintas daquelas no Ocidente. Reinados e povos antigos em locais distantes criaram civilizações desenvolvidas e sofisticadas, cujos legados  podem até ter perdido a identidade, mas nem por isso deixaram de existir como conhecimento passado de geração em geração.

Se a eficiência militar e de navegação ocidental foi maior que a oriental até época recente, não é difícil constatar que a humanidade, sob o ponto de vista inventivo, deu grandes saltos nos últimos cinco milênios.

À busca de respostas, em grupo

Nascemos, vivemos e morremos indivíduos, sendo totalmente autônomos de quaisquer outros organismos vivos. Assim, somos diferentes do Cipó-Chumbo (Cuscuta racemosa) que apenas vive se parasitar outra espécie. Quem assistiu ao aterrorizador filme Alien sabe que aqueles monstros imaginários viviam da incorporação de seres humanos ao seu organismo... Ora, não somos assim.




Apesar de indivíduos, autônomos, sentimo-nos ameaçados pelos outros animais (inclusive e, em especial, os humanos), que demonstram querer nos dominar, devorar, subjugar. Também tememos pelas intempéries, pelos fenômenos naturais como terremotos e vulcões. Temos consciência de nossa fragilidade enquanto indivíduos e procuramos fazer como os outros mamíferos: viver e andar em grupo, buscando identidades, interesses e valores comuns, possibilitando essa convivência que gera benefício mútuo.

Diferentemente dos lobos, que apenas vivem em matilha como instinto de sobrevivência, teorizamos nossa existência

Permitimo-nos refletir sobre como e com quem desejamos compartilhar nossa existência, ainda que jamais coloquemos em prática qualquer mudança. Somos seres que imaginam e uma boa parte de nossa existência está em nosso imaginário, não na nossa vida real ou concreta.

Organizações como família e tribo estiveram na base da formação humana, que acabou por se sofisticar , dando-lhe sentido até político (com estruturas de poder).

 Nômades por natureza, movemo-nos e podemos escolher em que bairro, cidade, país ou continente conviveremos com seres humanos. A vida isolada não é uma opção aceita como própria a pessoas ditas "normais". 

A busca eterna da necessidade de vivermos em sociedade foi teorizada, sistematizada, ordenada por várias disciplinas, ciências, por filósofos e cientistas, alguns sob o manto religioso.  

Como gosto da antropologia, tendo lido obras interessantes, respeito profundamente essa ciência que me causa imensa curiosidade, como nos escritos de Lévi-Strauss e Darcy Ribeiro, dentre outros. 

O fenômeno de teorização e ordenamento da sociedade tribal se funda na necessidade de pertencimento. Os seres humanos precisam sentir-se como pertencentes a um grupo com o qual se identificam. Querem proteger seus seres queridos, assim como a seus valores, culturas, costumes, religiões... 

Essa identidade se expressa de diversas formas, externas ou ocultas. Muitas vezes a identidade é meramente aparente, sendo necessária para dar sentido a um coletivo que precisa funcionar, baseado na mutualidade. 

Cada indivíduo verá sentido em participar do mecanismo de ajuda recíproca, vendo valor no que faz e no que os outros fazem, justificando ficar, não partir para buscar outra coletividade onde viverá, pois aquela que o acolhe é boa.

Assim foi também com religiões e ideologias políticas que passaram a dominar o mundo por instrumentos de convencimento, tanto racional, quanto místico, inclusive pelo medo, passando pelo uso da força e da tortura.

Exclusão e auto-exclusão: receituário explosivo

Desde a semana passada, a França tem sido tomada por atos violentos de grupos semi-organizados após um lamentável e triste episódio de violência policial. Hordas pilham lojas, destróem a propriedade e espancam quem se opõe ao que chamam de manifestação.

Eles não possuem bandeiras, não expressam reivindicações. Em sua grande maioria, são jovens que não encontraram sua tribo ou, se pertencentes a alguma tribo, esta não se encaixa ou enquadra na sociedade existente, gerando fricção.

Alega-se que se trata de jovens oriundos de famílias de imigrantes cujo acolhimento na sociedade francesa não aconteceu, marginalizando-os. Esse diagnóstico ocorre há mais de 20 anos, quando as primeiras revoltas similares ocorreram nos subúrbios de Paris.

Quanto às famílias de imigrantes, possuem parcial razão de que o establishment francês e a sociedade conservadora francesa jamais lhes abriu os braços integralmente para um acolhimento completo a despeito de usufruírem de todas as benesses que um estado organizado pode oferecer. Assim como em diversos outros países desenvolvidos, as populações de imigrantes - incluindo refugiados - tiveram grande utilidade em deprimir o valor do salário mínimo, facilitando a oferta de mão de obra desqualificada e barata, permitindo aos locais o acesso a melhores empregos e renda.

Só que a sociedade não é marcada por problemas tão simples. Culpar as populações nativas desses países é saída fácil, mas desonesta posto que parcial.

Cabe ao imigrante -  sou filho de imigrante e um imigrante eu mesmo - esforçar-se para adaptar-se, ajustar-se, assimilar-se. A manutenção de tradições de seus países de origem é riqueza quando positiva e não interfere negativamente no meio de vida do país hospedeiro.

Se tribos migram e buscam manter suas próprias práticas e seus próprios valores em detrimento das leis e valores locais, o potencial de confronto passa a existir.

Se a sociedade francesa exclui o imigrante do conjunto de sua vida, marginalizando-o, também seria verdade que muitos imigrantes - e sobretudo a segunda geração, como estudos demonstram - optam pela via fácil da auto-exclusão, vivendo a nostalgia de um país onde jamais viveram e que seria muito melhor do que aquele onde se instalaram por opção própria (imigrantes) ou por falta de opção (refugiados).

O diálogo entre surdos parece acontecer.

A Europa tem a xenofobia em seu DNA. Caso contrário, não teria gestado o nazismo, o fascismo, o comunismo, doutrinas totalitárias que causaram tanto sofrimento e destruição (e ainda causam).

O Oriente também confirma a natureza da espécie humana, tendo registros de destruição e genocídio do próprio povo e de outros povos em sua história.

Assim, não há, efetivamente, sociedades melhores do que as outras.

A desagregação social demonstrada na França advém da desesperança, do desespero, do medo e da desconfiança. Esses males sempre existiram, mas na medida em que mais e mais pessoas identificam-se com revoltas e destruição sem qualquer pauta ou causa, espera-se que novos pactos sociais sejam propostos.

Um programa de inclusão efetivo e eficaz, sem populismo, seria necessário.

Resta saber se a França, berço de boas idéias políticas e sociais, será capaz de criar soluções, ao invés de apenas virar o rosto para mais um grito que tende a se eternizar e intensificar.


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