A França entre a centro-direita e o ultranacionalismo

É incrível constatar como os socialistas destruíram a França. Ou, ao menos, o sonho socialista francês.

O país que teve François Miterrand como estandarte transformador dos últimos 50 anos, um presidente que impôs uma reforma fiscal e social profunda e causou temores de uma onda vermelha Europa afora, não conseguiu mudar o establishment. Seu relativo sucesso enterrou o sonho socialista (à francesa, é claro, não sendo admitido abertamente por aqueles que insistem observam o lema - hipócrita - liberdade, igualdade e fraternidade).



Jean-Luc Mélenchon, candidato socialista, não conseguiu angariar votos suficientes para ir ao segundo turno... no país dos sindicatos fortes, como a poderosíssima CGT. No próximo dia 24 de abril, o atual presidente Emmanuel Macron (um ex-banqueiro de investimento, que pode ser naturalmente chamado de globalista incondicional, ao melhor estilo do Fórum Econômico Mundial) e a ultranacionalista Marine Le Pen (filha do Jean-Marie, um neonazista xenófobo execrável, negacionista do Holocausto, representante do pior existente na Europa que produziu o genocídio judeu) estarão disputando a presidência francesa.

O debate de ontem entre os candidatos do segundo turno deu vitória a Macron. Marine Le Pen claramente seguiu a linha do Lulinha cor-de-rosa, do radical que deseja passar-se por moderado e ponderado para tentar beliscar votos dos indecisos. Ela evitou a agressividade que marca sua atuação política e de seus correligionários, pois sabe que precisa conquistar simpatia de um eleitorado amorfo.



Macron, o globalista, que impõe a Europa sobre todos os países, sobretudo os periféricos que andam a reboque do que França e Alemanha decidem, parece terá a preferência do eleitorado no próximo domingo. 

Emmanuel, que não confronta os wokes com veemência e que por vezes tudo relativiza e permite que intolerância e intolerantes se aproveitem das benesses da sociedade universalista francesa, proveniente do Iluminismo, torna-se a única opção diante de uma candidata ultranacionalista xenófoba e perigosa.

Não que Marine só possua plataformas equivocadas. Sabemos que não existe o 100% bom ou 100% ruim. As escolhas sociais e políticas possuem tantos matizes que é claro que, em todas as propostas, seja possível encontrar alguma - ao menos uma - cor preferida.

Um dos exemplos é o esperado resgate da soberania dos países europeus, promovendo-se a progressiva retração da União Européia. Esse propósito era antigamente vinculado só aos Eurocéticos (aqueles que não acreditam no projeto europeu), mas a realidade tem indicado grandes dificuldades de governança, sobretudo em países periféricos.

O exemplo da Grécia, ao qual me dedico há vários anos em diversas plataformas e formatos, é significativo. 

A adesão ao Euro, para quem conhece um pouco de política monetária e fiscal, foi um desastre para os helenos. Ao meu ver, a Grécia deveria reinstituir a Dracma (sua moeda nacional abandonada quando da adesão ao Euro), passando a definir sua própria taxa de câmbio e sobretudo de juros.

Sabemos que há mais de 10 anos a Grécia patina economicamente (nunca foi um belo exemplo de boa governança, controle fiscal ou monetário, diga-se de passagem). Ao invés de gerenciar-se (sendo responsável por seu sucesso e fracasso), passou a ser escrava dos bancos franceses e alemães, que dominam seu mercado de crédito. As decisões sobre a economia grega são tomadas, portanto, em Frankfurt ou Paris, e não em Atenas (ou mesmo Bruxelas).

O absenteísmo grego, sobretudo de eleitores jovens, em sucessivas eleições, é a melhor representação do esvaziamento democrático e sério comprometimento da auto-determinação impostos pelos políticos da linha de Macron aos europeus... Assim, esse item específico da agenda do atual presidente francês é unilateral, bom especialmente para o establishment francês e alemão, ruim para o resto, para a periferia (incluam-se aí Itália e países ibéricos, bem como da Europa do Leste).

Macron é o epítome do eurocentrismo, como Marine Le Pen bem nota no debate. O problema é que o pacote Le Pen é inaceitável, execrável e, sobretudo, perigoso não apenas à França, mas ao mundo. A eleição de uma ultranacionalista com raízes neonazistas é um perigo, sendo incrível que tal pessoa consiga chegar a um segundo turno em um país dito "iluminado".

Outro problema imenso é a aliança imunda e admiração mútua entre Putin e Le Pen. Como claramente demonstrado, a relação não é apenas política, mas econômica em nível pessoal, pois Le Pen é financiada pelo Kremlin (ou por um banco ligado ao presidente genocida russo).

Marine Le Pen critica reiteradamente o Pres. Zelenskyy, da Ucrânia, para fazer bela figura perante Putin. O ucraniano tem sabido manobrar a mídia e a política com maestria, defendendo exemplarmente seu país da agressão ilegal russa. O distúrbio moral que acomete a Sra. Le Pen a força a tratar aquele presidente-herói como se fosse um aproveitador, oportunista... utilizando-se do mesmo tom jocoso que o Presidente Jair Bolsonaro, que também decidiu escolher o lado errado da bússola moral (sobretudo nesse caso).

Fato é que Macron deverá ser reconduzido no cargo nos próximos dias, mas sua França - e Europa - está fraturada. 

Ele terá menos de 1/3 da preferência do eleitorado e se não adequar seu programa, considerando as demandas de nacionalistas e anti-eurocêntricos, terá um governo conturbado adiante. 

Até que ponto os políticos, e sobretudo seus partidos, são capazes de ouvir as vozes dissonantes de seu povo, ajustando políticas públicas para acolher variadas demandas, por vezes potencialmente contraditórias? 

Não se trata de buscarem popularidade... coisa comum em países populistas como o Brasil... mas de permitirem que os anseios mais diversos de eleitores sejam minimamente contemplados.

Afinal, governar é buscar frágil harmonia com eficiência administrativa, monetária e fiscal, lutando pela paz interna e ao lado de bom parceiros mundiais.

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