A preguiça em ler

 Vivemos um fenômeno interessante. 

Estamos na era gráfica, em que mensagens instantâneas, clips, tweets estão moldando o pensamento dessa geração, (des)norteando as gerações anteriores, que buscam manter-se atualizadas com base em platitudes.

Mesmo acadêmicos sucumbem à síntese precária representada pelos livros-fórmula que visam vulgarizar a ciência, em representações gráficas de teses, reduzindo pensamentos, sacrificando essência e lógica, para que se encaixem no modismo da linguagem corrente.

Um erro bem empacotado, popular, continua sendo um erro.

A preguiça em ler se encontra em todo lugar. 


Vai desde o entregador da Amazon, com má-vontade para ler as instruções e  entregar na porta certa, às mídias sociais e tradicionais, que induzem a enganos baseados na falta de paciência dos espectadores (não podem ser chamados de leitores) em tomarem tempo e digerirem informações completas e complexas. Assim, espectatores caem vítima da tentação da espetacularização de tudo e todos.

As notícias falsas sempre existiram e existirão. 

O que talvez mudou parece ser a má-vontade de número enorme de pessoas em utilizar seus cérebros (e a tal inteligência, ainda que adormecida) para tomarem tempo para avaliar o que lêem. Buscar dados e aliá-los a conceitos éticos: receita para criar uma opinião (boa ou má, adequada ou não, mas ao menos, refletida, embasada, decantada) ao invés simplesmente de colar em opinião dos outros.

Acho necessário dizer que ninguém tem ou deveria sentir-se forçado a ter opinião sobre tudo (e todos). Ou a emiti-la. As estrelas estão no céu e quem estiver disposto a vê-las que apague a luz e olhe para cima...

Muitas vezes, a mera contemplação, como ensinou Platão, é a melhor contribuição que temos a dar à sociedade que habitamos.

A era em que vivemos é, sem dúvida alguma, a que mais disponibiliza informações ao público. O fenômeno da internet é aceito como algo natural hoje em dia. Provocou uma oferta de informações jamais imaginada 2 ou 3 gerações atrás.

O paradoxo decorre do fato que, diante da abundância generosa de informações, mais e mais pessoas perderam sentido ético e capacidade de pensar por si mesmas, comprando idéias empacotadas como um shampoo ou dentifrício.

A impressão que tenho é que, realmente, o smartphone e a inteligência artificial fizeram com que muitos cérebros se transformassem em apêndices. Sim, falo desse órgão que recebemos de nossos ancestrais, mas que na evolução da espécie tornou-se um incômodo, algo dispensável (ou até mesmo tóxico, inflamado).

O tom negativo desse post não visa gerar desânimo. 

Provoco o leitor para a necessidade de redescobrirmos nossos cérebros e nos negarmos a viver APENAS na cultura do instantâneo e da unidéia.



A tecnologia tornou nossas vidas mais confortáveis, saudáveis e seguras.

Jamais estivemos tão conectados.

E o analfabetismo vem reduzindo rapidamente. Muita gente sabe ler hoje, comparado a gerações passadas. 

O problema é: tem muita gente que sabe, mas não quer ler. Querem apenas ver.

A infância da minha geração foi marcada por pais temerosos da perda de tempo representada pelos programas de TV, pela passividade intelectual que representa. Tínhamos horário para assistir programas, que eram selecionados. Na maioria do tempo as TVs ficavam desligadas.

Sem saudosismo, fico aliviado que haja hoje aplicativos que controlam o tempo de telinha do celular. Isso é saudável. Necessário.

O dilema não reside na mídia (mecanismo de gerar, entregar e fazer circular informações). Ela tecnologicamente é sensacional, ilimitada.

O nó humano hoje encontra-se na preguiça em ler, mesmo se sabendo ler.

Pergunto-me: por quê anda tão difícil para as pessoas, inclusive muitas  delas esclarecidas e diplomadas, dedicarem tempo a entenderem melhor sobre o que se fala e comenta, ao invés de cederem ao gráfico e em seguida emitirem suas opiniões sem base alguma?

Júlio César, após vitoriosa tomada de Zela, em 47a.C., declarou em carta ao senado: vini, vidi, vici. Ou seja: vim, vi e venci!

Ele se enfronhou na batalha, se informou, interagiu e em seguida, conseguiu vitória.

É o que fico me perguntando: se somos seres racionais, dotados de uma capacidade de processamento de informações e sentimentos melhor que qualquer outra espécie, por qual razão estamos abandonando essa incrível habilidade?

Não é apenas por força da psicologia comportamental aplicada ao consumo, que as gigantes dos smartphones e da mídia utilizam de forma nauseante, que nosso comportamento tem sido alterado, com a maioria não sabendo distinguir entre opinião e fato

Não acho que haja um complô cibernético ou da indústria para nos dominar, a despeito de esforços monopolísticos. Há tendências, mas não controle.

Somos inclinados, como qualquer animal, ao ócio.

Quando observo gatos (convivo com eles), constato como são preguiçosos e adoram uma vida mansa. Nós somos iguais a eles. Ao menos eu sou: ofereça-me uma rede, uma cerveja e uma praia... não vou querer mexer-me nunca mais!


A própria origem da palavra negócio advém de negar o ócio... Ou seja, trabalhar significa negar o estado natural em que qualquer humano gostaria de estar: numa rede relaxando e vendo as ondas se espatifarem na areia.

Por isso é louvável qualquer iniciativa de incite à leitura, à verdadeira leitura.

Acho que vou passar a frequentar mais feiras de livros e menos salas de cinema...

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