A grande desorientação nos direitos individuais

É incrível como o evento da Covid fez agravar o cenário global já confuso, sobretudo desde 9/11.

Não obtive qualquer dado ou prova de que o desastre em Wuhan tenha sido proposital. Ou que tenha sido um movimento intencional no tabuleiro da guerra pela hegemonia planetária por parte do PCC. Ou mesmo qualquer outro enredo que se encaixe em teorias conspiratórias, estas muito atrativas, românticas, interessantes mas, salvo raras exceções, incapazes de resistir a rigorosas análises dos fatos e relações de causa e efeito.

Sou daqueles que acredita que o vírus foi desenvolvido em laboratório puramente para fins de pesquisa (inclusive com colaboração canadense e norte-americana), mas que numa sequência trágica de acidente combinado à incompetência, transformou-se em praga planetária. 

Tenho para mim que a ditadura comunista chinesa, assim como aconteceu na Chernobil soviética (sugiro fortemente assistir ao seriado da HBO), com todas as suas estruturas arcaicas e ineficientes de comando,  responsabilização e reação, tenha contribuído fundamentalmente para que o virus se tornasse a pandemia que botou o planeta de ponta-cabeça. Incompetência gerencial, sobretudo aquela não-admitida, é a mãe de muitas desgraças coletivas. 


Percebo que, desde 9/11, os direitos individuais vêm sendo sistematicamente violados por governantes e governos, sob a justificativa de proteção da coletividade. Há certas justificativas reais por detrás disso, mas desde então muitos constataram termos passado do ponto ótimo.

Lembro-me bem, em uma viagem de turismo à Itália, como as regras de sobrevivência sobretudo em clima hostil, milênios atrás, permitiam anular o indivíduo pelo bem da coletividade. Os registros de mais de um milênio, que vi no Museu Paleontológico Rinaldo Zardini, davam conta que o indivíduo, independentemente de sua posição, que colocasse em risco os víveres, os estoques de comida de Cortina d'Ampezzo, seria sumariamente expulso da comunidade e seus bens confiscados.

Cito também exemplo de dedicação à coletividade, com anulação do indivíduo, sem exigir coerção ou uso da força. Na cultura japonesa antiga, segundo o belíssimo e poético filme A Balada de Narayama, chegada a idade em que o indivíduo torna-se um fardo à comunidade, ele próprio retira-se em auto-sacrifício, expressão de um autruísmo radical. Vale a pena assistir.



Proteger a coletividade contra indivíduos egoístas (excluindo-se os com patologias, que demandam assistência e não expulsão) tem origem muito antes que Marx e Engels tenham ideologizado a guerra de classes. A idéia (não original) não serve a causa particular nenhuma, nem é de direita, esquerda ou outra classificação artificial visando criar narrativas beneficiando um ou outro grupo.

O conceito é amplamente conhecido e se justifica para a existência do Estado.  Esse Estado é a representação do coletivo necessário, que confirma conceito milenar de que, sozinho, o indivíduo não sobrevive às feras, às intempéries. 

É necessário aprendermos a cooperar com outros seres humanos se quisermos nos  alimentar, ter repouso, prosperar e gozarmos de coisas positivas que apenas um ambiente colaborativo é capaz de proporcionar. 

Só que o coletivo não é, nem deve ser, absoluto. Deve haver limites, como em tudo na vida, e toda pessoa responsável deveria preocupar-se com a falta de limites sobretudo do Estado, que nada mais é que a representação de vontades de pessoas no poder (eleitas ou não). Felizmente, nos países ocidentais sobretudo, poucos são os que se arvoram ser - como fez Luiz XIV - eles próprios o Estado.

Após os ataques terroristas de 9/11, governantes e governos passaram a legalmente vasculhar a vida de tudo e todos, sofisticando-se por meio de equipamentos modernos de monitoramento (também conhecidos como smartphones). Essa invasão de privacidade criou uma crescente convicção de que, em uma guerra contra o terror, contra inimigos infiltrados entre nós, tudo é possível, até mesmo anular o indivíduo. E aí a Caixa de Pandora foi aberta.

Acelerando para 2020, para o dia de hoje, temos um novo inimigo infiltrado no meio social que atende pelo nome de vírus da Covid (e suas variantes Delta, Ômicron, etc).

Muitas cabeças científicas boas e pensantes, mas pouco conhecedoras ou sensíveis à histórica luta pelos direitos individuais, aliadas a governantes apavorados em perder seus níveis de apoio popular, elaboram planos em que consideram permissível, até mesmo necessário, controlar indivíduos "pelo bem da coletividade".

Há absurdos cômicos também, do tipo: tenha relação sexual apenas usando máscara...

O que se está criando é um enorme passivo libertário.

Muitas vozes têm se manifestado contra a limitação das liberdades individuais, só que a maioria delas não consegue bem elaborar suas idéias, as exprimindo de forma radical. A linguagem radical e de tintas fortes tornou-se a regra na era da ira, das mídias sociais odiosas e sem auto-controle, do tipo Twitter.

A isso somem-se as crescentes e frequentes manifestações de ira em vários campos sociais, como que num ensaio de uma guerra total. A ira se manifesta pela ideologia do gênero, racismo, homofobia, transfobia, antisemitismo, ódio a políticos e a candidatos a cargos políticos, a posições ideológicas, às diferentes visões de mundo, etc.

Permitir com que as pessoas façam suas escolhas para que vivamos em diversidade não é fácil, mas é fundamentalmente necessário. 

Beatrice Hall cunhou a frase (erroneamente atribuída a Voltaire) "posso não concordar com nenhuma das palavras que disse, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las", demonstrando o idéario do iluminismo, em que o ser humano deveria fugir dos dogmas e dos dogmáticos. Por isso acho interessante traçar os paralelos seguintes.

Na Inquisição, a Igreja Católica dava aos mouros (muçulmanos na península ibérica) e aos judeus duas opções: morrerem na fogueira ou converterem-se ao cristianismo. 

Inpirado pelo livro As Sandálias do Pescador, que virou filme em 1968, entre 1972 e 1980, o Banco Mundial deu quase uma centena de milhões de dólares ao governo de Indira Gandhi, na Índia, para esterilizar suas mulheres (às vezes, em troca de um radinho de pilha). A idéia era criar incentivos, ao invés de simplesmente pegar mulheres à força e lhes mutilar (esterilizar à força é mutilar, né?). Isso evitaria que uma bomba populacional produzisse fome e desespero em países miseráveis, causando a Terceira Guerra Mundial. 

A ótica do primeiro mundo exigia que a Índia freasse seu crescimento populacional para garantir a Pax Americana ou Pax Europea... mesmo depois do que fizeram a países débeis europeus em Yalta em 1945 e à Índia em 1947...

Não deixar forçar pessoas a fazerem o que não querem por convicção ou ignorância é tão importante que a própria Constituição brasileira (e todas as outras no mundo, muito provavelmente, mas nunca conseguirei checar isso) prevê em seu artigo 5, inciso II: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

E mesmo as leis têm limites... 

Aliás, há leis ilegítimas ou ilegais... Para quem se interessa por isso, basta examinar estudos importantes, jusfisolóficos, sobre as Leis de Nuremberg (1933). Estas impuseram a segregação social e uma visão de Alemanha e de povo totalmente desprovidas de fundamentos, visando servir apenas ao ditador genocida do momento, Adolf Hitler.

Por isso esse post: para declarar meu respeito àqueles que, de forma concatenada e civilizada, bem elaboram suas idéias e se opõem a certas medidas impositivas  (absurdas) governamentais.

Não me refiro aos que negam a validade de vacinas ou que se opõem ao oferecimento de vacinas a todos que desejarem e puderem recebê-la. Não tenho dúvidas sobre o abismo existente entre países com acesso a vacina e outros que clamam por ela, mas que não possuem meios de obtê-la (ou ainda têm problemas mais graves que a pandemia).

Louvo aqueles que não aceitam ver seus condidadãos forçados a agir ou deixar de agir coletivamente já passados 2 anos de uma pandemia que está transformando coletividades ocidentais em manicômios sociais.

Quando ouço líderes fracos, agindo baseados em pesquisas eleitorais, dizerem que querem infernizar a vida de parte de seus concidadãos unicamente por estes terem dúvidas e não desejarem se alinhar com o pensamento e conduta majoritários, entendo ser isso um imenso abuso de poder.

Acho ilegítimo qualquer governante passar a impor sanções a pessoas - diferentemente de mim, que estou caminhando para a 3a dose de Pfizer porque fiz minha própria análise e acho que vale a pena estar tri-vacinado - que por motivos próprios não desejam se alinhar com o pensamento preponderante, ainda que coloquem em risco a própria vida.

Não acho essas pessoas heróis ou anti-heróis. Não as classifico, tampouco, como desalinhadas ou desajustadas (mental ou socialmente). Muito menos as taxo de burras, idiotas ou adjetivos pejorativos.

Entendo-as como pessoas absolutamente normais, não-ativistas de qualquer causa, que decidiram, por si próprias, não se vacinarem, total ou parcialmente. Elas não podem tornar-se em não-cidadãos. É errado pensar e agir assim.

A morte social dessas pessoas, condenadas ao ostracismo, a não viajarem, a serem tratadas como párias sociais, lembra-me muito a Inquisição, o Nazismo, a perseguição assassina a artistas, escritores, professores e filósofos quando da Revolução Cultural de Mao. 

Governantes que partem para o abuso social, por meio de palavras fortes e a criação da discriminação pública, com tentativa de legitimação, fomentam a segregação com base em critério biológico - transformado em ideológico - tornando-se parte do problema.

Uma sociedade realmente avançada e inclusiva exige o respeito às minorias, por mais incômodas e irracionais que elas possam parecer à maioria.

Nem todo mundo nasceu para ser gado.

Tem gente que deseja manter-se em sua bolha existencial, disposta a pagar o preço que suas próprias convicções impõem.

Por quê forçá-las a pagarem um preço maior ainda?

Não entrarei em discussões médicas, pois não possuo nenhuma qualificação ou conhecimento para endossar ou criticar isso ou aquilo. Já afirmei: prefiro viver com vacina do que sem ela, mas não concordo em dar meu apoio a governantes que querem impor a ciência atual (ou parte da ciência atual, como queiram), a meus concidadãos.

Minha visão humanista almeja apenas o respeito ao indivíduo, por mais que ele seja um estorvo, um problema, um pária, um desajustado, um desprogramado... Caso contrário, estaremos diante do supremacismo que contém muitas formas e representações (estético, racial, biológico, ideológico, religioso, cultural, geográfico...).

Lembremos que a eugenia tem origem antiga. Canaanitas, gregos e fenícios praticavam o sacrifício de bebês aparentemente com defeitos... Será que estamos voltando no tempo? 

Quero acreditar que não. Que estejamos apenas diante de um soluço histórico e que a chama que gerou o Renascimento não esteja se apagando, estando apenas entortada momentaneamente pela brisa da hesitação daqueles que perderam a noção do essencial.

Por fim, desejo a todos de boa vontade um 2022 repleto de saúde, tolerância, escuta e sabedoria.



 



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