Brasil: a eleição da Geni e sua desejada destituição

A farra do Judas é o esporte preferido do brasileiro, encontrando sua perfeição na política.

Que coisa maravilhosa você conseguir depositar todas as mazelas do mundo, de seu pequeno mundo, em uma só pessoa! 

Ao eleger como algoz e eliminar (politicamente, mas às vezes a facadas ou tiros) tal pessoa, você elimina todos os problemas!

Tão fácil!

A idéia tem origem no ódio religioso. Os antisemitas se profissionalizaram nela. Nazistas de 75 anos atrás promoveram o genocídio efetivo e real. Atualmente, as bravatas dos aiatolás iranianos e seu plano atômico, bem como idiotas-úteis empunhando bandeiras palestinas gritando palavras de ordem como "do rio ao mar" representam o novo genocídio potencial, o fim de todos os males através da obsessiva perseguição do povo judeu.

O interessante - que poucos enxergam ou admitem - é que quanto mais instável o país, melhor fica o balcão de negócios em Brasília, onde a crise aumenta o custo da estabilidade, inflacionando a venda de facilidades.

O Brasil encontra-se em um momento de confronto potencial perigoso.

A social democracia permitiu a reorganização generosa do estado, sucedida por uma república sindical mais generosa ainda. O discurso e a narrativa se transformaram em práticas agradáveis, simpáticas... impossíveis de serem atingidas e ao mesmo tempo manter-se alguma disciplina fiscal e financeira.

A eleição de 2018 não foi um divisor de águas. Foi um divisor de país como Lula anunciava quando, eleito com a bandeira cor-de-rosa de paz & amor, o presidente subiu em palanques país afora anunciando haver ELES e NÓS. O poste de Lula perdeu, tendo ainda assim 45% dos votos válidos (vantagem de 10 milhões ao vencedor). 

ELES passaram a ter, também, voz e voto. O sujeito que falava NÓS entendeu que a fissura estava consumada, só que os planos não saíram como havia imaginado.

Assim como no cenário de ódio religioso, há igrejinhas (virtuais e reais) nos dois extremos em que o país se encontra. 

O atual presidente é inábil em palavras e concatenamento de idéias, servindo de desagregador-mor, pois incendeia o país desde antes e durante a grave pandemia. E o faz, na maioria das vezes, sem qualquer necessidade. 

Consciente de sua fragilidade, Bolsonaro morde a isca da provocação facilmente, o que o torna um mau político. Ele reage impulsivamente à magnânime, insistente e crescente oposição que sofre desde a fatídica facada, que fez suas chances de se tornar presidente aumentarem exponencialmente. 

O brasileiro admira heróis, mas gosta mesmo é das vítimas...

Desde antes de eleito e sobretudo após abertas as urnas - as mesmas que hoje não mais são boas, posto que sem registro escrito - esse presidente sofre uma oposição quase insuportável. No desenho ideal do estado permissivo e generoso engendrado desde 1988, qualquer dignatário com arroubos de autoridade se transforma em autoritário, automaticamente perdendo qualquer legitimidade (e direito à análise de mérito).

O presidente, ao invés de promover a moderação, em virtude do ambiente desagregado e desagregador que lhe envolve, cede à ameaça, aos gritos, disputando decibéis com uma massa melhor organizada, melhor financiada e apoiada não apenas por muitos dos meios de comunicação, mas boa parte da comunidade acadêmica, nacionais e internacionais diga-se de passagem.

Ao invés de tomar a via do mérito, essa Geni do momento aceita o papel de ator radical, não aceitando conceder a derrota do estilo, para dar lugar à inteligência que até seu vice parece compartilhar desde os primórdios de seu governo.

Se vivo, o Gen. Golbery já teria dados vários murros na mesa, inadmitindo tamanha tacanhez, falta de visão. Mestre-estrategista, respeitado/temido por todos tanto pelo intelecto quanto disposição em agir, inclusive e sobretudo por seus opositores, aquele general jamais adotaria o discurso do confronto, se considerado o contexto histórico recente. Saberia estar-se encaminhando à derrota certa. Que falta ao Brasil faz um Golbery...

Esse ator radical, visando contra-balançar uma maioria indicada por governos petistas ao STF, opta por estabelecer um cabo-de-guerra na mais alta instituição da magistratura, confundindo estado e religião. Seus indicados são problemáticos, pois flertam com o fundamentalismo e fazem juras de fidelidade ao entourage íntimo do primeiro mandatário. Tais atributos de escolha jamais deveriam se sobrepor ao dispositivo constitucional. 

E assim, a mais alta corte vai se tornando protagonista desse teatro de horrores, fazendo assustados os brasileiros. Tal ópera-bufa lembra a antiga infâmia do "prendo e arrebento", que parece não ter saído do inconsciente de alguns que a habitam, agora convertidos em similares e auto-denominados heróis, protetores da virtude, ao invés simplesmente de, com facas nos dentes e vendas nos olhos, defenderem a Lei Maior.

À distância, partilho da angústia de amigos residentes no Brasil, que temem por confrontos.

Uma parte dos brasileiros elegeu em Bolsonaro a Geni do momento, cuja partida (são vários pedidos de impeachment estacionados no Congresso, em número nunca antes visto na história do país) seria a solução de suas mazelas. E assim alguém voltará a organizar o Brasil e deitá-lo, calmamente, em berço esplêndido.

É interessante enxergar de longe esse jogo atroz de xadrez.

Opositores do governo clamam pela tentativa de golpe por parte da atual Geni, enquanto outros dizem que a ditadura é togada e, portanto, uma reação seria legítima.

Enquanto isso, nas variantes das marés, redes são jogadas e os peixes, desesperados, serão facilmente capturados, fazendo a farra daqueles que prosperam na tempestade que eles mesmos semearam.





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