Tempos estranhos de destruição ocidental

Foi horrível a forma como o negro americano George Floyd foi morto por um policial em ação para mobilizá-lo, em Minneapolis. O excesso no uso da força foi claro. O policial talvez não tenha tido intenção de matar, mas certamente assumiu esse risco ao não tomar cuidado e sufocar um pobre-coitado. Floyd tinha que ter sido julgado e encarcerado por seus crimes, como aconteceu nos últimos 30 anos de sua infeliz existência (roubo a mão armada, tráfico de drogas, falsificação, violência doméstica, etc.). Ele viveu como delinquente e morreu como um delinquente, como um problema social, desumanizado. Morreu como alguém que não tinha direitos reconhecidos. Não poderia ter sido tratado indignamente, por um agente de uma sociedade que se deseja digna e protetora.

Demorei um tempo para digerir o que estava acontecendo. Não quis seguir a boiada. Não me precipitei.

J.K. Rowling (a autora escocesa que inventou o Harry Potter) recentemente escreveu que não se deve esperar moderação das redes sociais. Ela ressalta que apenas o sensacional mobiliza e sensibiliza as pessoas, na era do Twitter.

Então eu queria ver a poeira assentar, para avaliar a situação sob uma ótica moderada. Eu queria que as pessoas vissem o quanto de excesso foi cometido. Pela polícia que mobilizou o pobre coitado criminoso, pelos manifestantes mundo afora.

Os protestos, infelizmente, foram majoritariamente violentos. 

Houve não apenas pilhagem de lojas, mas pixação, violências contra policiais, numa subversão de valores que parece ser como trocar os polos de fios: onde é positivo vira negativo e vice-versa. Quando fazemos isso sabe-se que há um curto-circuito.  Qualquer equipamento queima. Ao se potencializar a revolta, ela transforma-se no próprio excesso, perdendo vínculo com a sua origem.

É isso que se quer? Destruir a sociedade de dentro prá fora? E substituí-la por qual modelo? Pela barbárie total?

Manifestar contra excessos - de autoridades ou não - é legítimo e deve acontecer. É nosso dever constante analisar e reagir, moderadamente.

Imagino como policiais vivem sob tensão. Possuem o monopólio da força, mas quando penso em sua angústia e tensão a cada telefonema em que são instados a manterem a ordem e protegerem pessoas desconhecidas e o patrimônio, considero que deve-se ter parcimônia em condenar seus atos.

O excesso da força é abominável, sobretudo quando é possível medi-la, como no caso do Floyd, que estava imobilizado e algemado. Nem por isso podemos dizer que a polícia é prescindível. Que deve acabar. Que só faz o mal. É uma sandice total desejar isso... de uma irresponsabilidade inaceitável.

Cresci em um país em que autoridade rimava com autoritarismo, já que os militares da época da minha infância impuseram a polícia política e a repressão, abusando do poder que lhes era concedido. Nem por isso deixei de saber distinguir entre o policial honesto e o abusado, ou de enxergar a necessidade de haver um policial por perto para garantir a segurança. Alguns contemporâneos meus viraram revolucionários e até hoje acreditam que tudo o que representa a autoridade - em especial policiais e militares - são a escória humana. Tenho pena deles, que não souberam amadurecer e se escondem por detrás de lemas e gritos de ordem anárquicos, esquivando-se da própria torpeza e má-fé. Gostam do caos, já que inconformistas, inconformados e desprezam qualquer ordem e equilíbrio.

Conheci sobreviventes do Holocausto que tinham crise de pânico ao ver um guarda fardado (podia ser guarda de trânsito), pois viam nele um oficial nazista assassino. O trauma era imenso. A farda era sinal de morte. Eram pessoas adoecidas pela violência que haviam sofrido. Esse não é o caso de 99,999% dos manifestantes que vi na TV e nas ruas.

O racismo é um mal presente na sociedade. Ele precisa ser discutido, conhecido, refletido e combatido. Seu combate deve optar por meios não-violentos, como qualquer movimento de transformação social que se queira legítimo. Mahatma Gandhi conseguiu enormes avanços em seus protestos pacíficos, indicando a direção a um povo desesperado e oprimido. Não precisou destruir ou matar. Apenas gerou um movimento destrutivo do colonizador e criativo para o próprio povo indiano.

Tenho várias críticas a Winston Churchill. 

Ele sabia bem sobre os campos de concentração. 

Vários documentos comprovam que seu gabinete tinha detalhes sobre o que acontecia em Auschwitz. 

Ele poderia ter bombardeado os auto-fornos em que se queimavam dezenas de milhares de judeus por dia, após terem sido assassinados em câmaras de gás na matança industrial implementada pelos alemães. 

Churchill não fez nada. 

Uma das justificativas foi de que não havia recursos suficientes, bombas suficientes, pois o objetivo maior eram as infraestruturas de guerra do Reich. 

Ora, eu duvido. 

Nunca se jogou tanta bomba num país quanto sobre a Alemanha, com vôos saídos a partir da Inglaterra, no que ficou conhecido como bombardeiro-tapete

Churchill cometeu a ignonímia de aceitar a divisão artificial da Europa, sobretudo a do Leste, diante de um Stálin todo-poderoso, em Yalta. Juntamente com Roosevelt, Churchill aceitou o fatiamento europeu para garantir uma paz momentânea, sabendo da enormidade do sofrimento dos povos que ficariam atrás da cortina de ferro sob o jugo comunista. Só que nesse caso, Churchill estava combalido, a Inglaterra estava arrasada, sem meios, vivendo artificialmente com o apoio logístico dos EUA.  

Sir Winston Churchill tem fatos condenáveis em sua biografia, inclusive seu colonialismo abominável. 

Há diversos motivos para odiar Churchill. Eu inclusive poderia ter motivos pessoais para fazê-lo, pois perdi familiares em campos de concentração, assassinados por mãos criminosas polonesas e alemãs que poderiam ter sido impedidas, se ele tivesse ordenado o bombardeio dos campos, sabidamente existentes.

Nem por isso acho que deve-se esconder a estátua desse homem, que muito fez para salvar o ocidente do nazismo, adotando uma visão de sua época. Um Nobel de Literatura, Churchill forjou o mapa da Europa e do Oriente Médio no pós-guerra, junto a outros estadistas. Fez diversos erros. É certo que vários acasos permitiram a vitória dos aliados, mas esse personagem teve um papel fundamental na história ocidental. É inaceitável que sua memória, representada por sua estátua, seja condenada a ficar encoberta, por causa da gritaria de alguns contra a opressão e o racismo que nada possuem a ver com a jornada humana até agora.

https://f.i.uol.com.br/fotografia/2020/06/12/15919801255ee3b05d23dc4_1591980125_3x2_th.jpg

Não acho que Floyd mereça qualquer flor de minha parte, por ter-se tornado vítima de um policial violento. O movimento negro, de conscientização da discriminação constante, merece todo o reconhecimento, admiração e apoio.

Prefiro homenagear inocentes, como os consumidores da Cerveja Backer mortos ou sequelados; como as crianças palestinas doutrinadas por seus pais radicais a viverem no ódio e na pobreza ao invés de aceitarem e coexistirem com os judeus, árabes e católicos de Israel; como as crianças sírias condenadas a morrerem ou viverem precariamente por causa do ditador Assad e seus amigos iranianos e russos; como os povos africanos explorados por potências estrangeiras até hoje; como a criança no sinal de trânsito brasileiro, que ao invés de estar na escola pública é explorada por seu pai, tio, mãe ou parente parasita; como as mulheres russas e de outros países da Europa do Leste, expulsas de casa e apropriadas por proxenetas para alimentarem o tráfico sexual internacional... 

Eu teria milhões de pessoas a homenagear, vítimas de leis não cumpridas, de fronteiras não observadas.

Não devemos ter vergonha de nossa história ou de distinguirmos entre o certo e o errado.

Temos o dever de conhecer a história, julgar personagens pela ótica de sua época e contribuir para um futuro harmônico e inclusivo.

Vou condenar toda anarquia, sabotagem, pilhagem e vandalismo promovido ou cometido pelos que se aproveitam dos males do mundo para piorá-lo, para ganharem favores, votos, sobretudo semeando divisão.

Sou a favor de uma polícia humanizada e acho que o maior esforço que deverá ser feito é de comunicação. É momento de o diálogo entre povo e autoridades melhorar. Só assim o preconceito, fruto da ignorância sobre o papel de cada um, poderá ser reduzido, inclusive o preconceito racial.

Condenar nossa civilização ao auto-ódio, achando que ainda dirigimos navios-negreiros ou que cometemos genocídio cultural é contraprodutivo e serve ao propósito de seitas daqueles que jamais desejaram se integrar ao mundo como o receberam. 

Melhorar, sim. 

Destruir, para substituí-lo por novas ditaduras (ainda que envelopadas em seda), não.

Quem deseja reescrever a história não a conhece e não deseja que seja conhecida. 

Se a conhecesse e respeitasse, faria questão para que a informação fosse mantida, preservada, difundida.

Tenho diversas críticas - que traduzo no que escrevo, falo e penso - ao que está aí, no Brasil, no Québec e mundo afora, mas não desejo que tudo seja desmontado. 

Não respeito quem acha que da destruição surgirão coisas boas. São pessoas irresponsáveis, revoltadinhos anarquistas que fazem ondas para assumirem o poder junto a seus comparsas. 

Não emprestarei minha voz a destruidores ou anarquistas.

E você?

Mais lidos

Mentiras de Estado

Com ou sem máscara?

Ditadura do Judiciário exposta: Congresso Norte-Americano

A democracia-ditadura: o poder sem representação

Manipule e influencie os jovens: eles poderão ajudar no esforço destrutivo de amanhã

Um texto magistral para a magistratura brasileira