Direito internacional: praticamente inexistente nos dias atuais

Confesso ter ficado chocado quando um chinês foi indicado para presidente da Interpol, a polícia das polícias. Sabe-se que a China não é um primor de transparência, respeito à privacidade ou democracia. Daí o questionamento do interesse nacional por detrás de um cidadão que lideraria uma instituição global de tal envergadura.

Estaria Meng Hongwei a serviço apenas de seu país, para furtar informações sensíveis, em benefício exclusivo de sua pátria?

As dúvidas foram profusas e difundidas pelas mídias sociais à época da indicação, em 2016. O mundo ficou assustado com a possibilidade de chineses acessarem bases de dados de diversos países, inclusive concorrentes comerciais, financeiros e militares. Seria o caos e o descontrole.

Tudo bem que a Interpol apenas executa ordens de polícias locais, não sendo uma polícia global no sentido pleno do termo. Ela facilita a comunicação entre polícias, para que malfeitores não escapem às penas às quais foram condenados. Ela tem um papel essencial na colaboração das nações e se for mal usada, pode prejudicar todo o mundo, criar desequilíbrios e mais: gerar desconfiança.

Foi o que aconteceu com a antecessora da Interpol.

O Congresso Internacional da Polícia Criminal, criado em 1914 por policiais e magistrados europeus, caiu nas garras dos nazistas em 1942. Os alemães foram escolhidos para liderar a instituição. Os óbvios desvios e apropriação de informações para uso do regime genocida condenaram aquela iniciativa à imediata extinção.

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Uma nova organização facilitadora da colaboração policial internacional, denominada Interpol, foi criada em 1946, após a queda do tirânico regime nazista.

Em um mundo globalizado, onde viajar internacionalmente é facílimo, não deixar criminosos escaparem das mãos da justiça exige esforço e colaboração planetários. É nisso que a Interpol atua.

Essa organização vinha servindo muito bem aos interesses das nações até sofrer o atentado institucional de setembro desse ano...

O golpe ao direito internacional público foi dado pela China: o presidente da Interpol foi preso ao visitar seu país natal, sem explicações ou o devido processo legal. Sua esposa tem declarado que suspeita até mesmo que ele tenha sido morto.

Sabe-se que a Interpol possui status próprio e seus funcionários gozam de várias imunidades.

A China simplesmente não tem o direito de deter um servidor internacional, ainda que sua nacionalidade seja chinesa. A indicação a um cargo em organização internacional lhe transforma em cidadão do mundo e o direito internacional lhe dá plena guarida. O desprezo pelo sistema jurídico internacional ficou patente.

Convenhamos: seria o mesmo que, em férias ao país do Fado e dos maravilhosos travesseiros de Sintra, António Gutérres, Secretário-Geral da ONU, fosse detido sumariamente e encarceirado por seus concidadãos, a ponto de nem sua esposa saber do seu paradeiro.

É o que aconteceu na China.

O presidente em exercício da Interpol, o chinês Meng Hongwei, ao visitar seu país, foi preso e encontra-se incomunicável até o dia de hoje. Nada se sabe do motivo de sua prisão, nem a forma com que foi feita ou se está vivo.

Sua renúncia foi aceita mais de um mês atrás, por meio de um simples comunicado da instituição que não possui poderes para lançar uma investigação sobre a forma como seu presidente foi apreendido por um país-membro.

Não bastasse esse enorme problema, hoje foi eleito o sucessor do presidente apreendido por seu país natal e o candidato que era favorito - foi derrotado - pertence ao regime de Putin, na Rússia.

Tivesse o russo sido eleito, o problema seria imenso. Os riscos já levantados no caso do chinês deposto estariam se agravando, pois a Rússia é um país onde o estado de direito é mais do que precário, segundo índices do World Justice Project.

 Finalmente, o caso foi resolvido intramuros e um sul-coreano assumiu a Interpol.

Só que o problema - e as dúvidas resultantes - não acabou.

A estrutura da instituição foi abalada e a qualquer tempo a sua apropriação, seu aparelhamento, pode ser feito por gente descompromissada com o interesse geral, para beneficiar apenas um país ou um grupo.

Resta saber se haverá uma reforma na instituição ou se algum grupo de nações, sabedor dos riscos de se colocar nacionais oriundos de autocracias diante de organismos internacionais detentores de informações sensíveis, terá a iniciativa de criar algo novo.

Até lá, permanecerá a dúvida: que polícia nos protege da polícia?

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