Por um capitalista: um erro fundamental dos liberais brasileiros?

Vou arriscar ser simplista, mas a idéia é provocar-lhe à reflexão em tempos de discussões de base sobre estado, capital e liberalismo.

O pilar do pensamento liberal aplicado no Brasil tem origem no Utilitarismo.

Essa escola lançada por Jeremy Bentham, 200 anos atrás - já reformada por diversas vezes, sem perder de vista seu DNA de origem - pugna pela moralidade (justificativa) dos atos que buscam maximizar a felicidade do indivíduo e da coletividade.

Na sequência, a felicidade se traduz em riqueza.

Assim sendo, quaisquer atos que criem riqueza, mesmo violando contratos ou valores morais, desde que ao final todos fiquem mais ricos (aí incluo o Princípio de Pareto) e prósperos, serão justificáveis.

A questão da violação de regras morais pegou mal, o Bentham corrigiu, seus seguidores também, mas a idéia da criação de riqueza a qualquer preço moral pegou. Já era. Estava grudado no DNA...

Essa escola ganhou contornos modernos, gerando o que chamamos de Escola de Chicago e economistas daquela universidade teorizaram brilhantemente o que viria a tornar-se a cartilha do capitalismo dos anos 80 em diante. Aliando-se ao direito, essa escola evoluiu para uma análise econômica, fazendo com que qualquer regra deva ter eficiência e sentido econômico, sob pena de atravancar a economia.

Realmente, por todo mundo para correr atrás da riqueza melhorou a condição de vida de muita gente. Só que a turma da teoria americana recebeu de bandeja um período áureo. Quando cresciam seu país era composto majoritariamente pela classe média. O que aconteceu desde então?

Maximizou-se a riqueza como se propôs, o liberalismo veio forte com Reagan, mas sua distribuição foi esquecida, virando um pesadelo, pois ao liberar as forças individuais para cada um perseguir seu quinhão de riqueza, o estado retraiu-se e a injustiça econômica traduziu-se em social. Assim, os EUA de hoje é um dos países com maior desigualdade econômica e social. São um país sensacional, sou fã dos EUA, mas eles têm um problemão por falta de um meio-termo.

Os EUA não se transformaram em um inferno, mas estão longe, muito longe, de ser o tapete tranquilo que serviu de plataforma para se pregar o retorno do utilitarismo ou sua releitura que foi aplicada mundo afora, com especial detalhismo no Chile e na Argentina.

Sou fã do capitalismo, como contraponto ao comunismo (coletivismo imposto) ou ao socialismo (coletivismo votado). Ele me permite a liberdade econômica, de opinião, de ir-e-vir, de tornar-me rico, se quiser trabalhar muito e bem.

Não me vejo fã absoluto do capitalismo, o que me obriga a lembrar daquela frase do Churchill: "a democracia é um péssimo sistema político, mas a alternativa é pior".

Para amenizar, vejo a necessidade de incluir o sentimento social no capitalismo, entendendo que uma economia não se faz apenas com empreendedores ou gente altamente eficiente.

A sociedade é composta de muita gente ineficiente, burra, desempregada, incompetente, doente, aleijada, desajustada, que simplesmente não pode ser jogada na lata do lixo, como se fazia no período da eugenia, em Esparta*.

* bebês e crianças com algum defeito congênito eram imediatamente descartados, jogados do alto do Monte Taigueto, pois em Esparta a pureza da raça era fundamental. 



Como fazer então, num ambiente liberal, com essa gente que não sabe negociar, não sabe seus direitos, não sabe contratar direito? Como tratar todos como livres e iguais, presumindo terem a mesma capacidade de participar na tal "criação de riqueza"?

Aliás, é bem contraditório: a premissa liberal de que todo indivíduo poderá contratar o que quiser (inclusive na área trabalhista), exercendo livremente suas faculdades, me parece muito com o comunismo, que trata igualmente a todos, sem distinção, mesmo sabendo que não são.

Esse encontro de opostos, tratando a todos da mesma forma, desautoriza o liberalismo que acaba com o estado e o reduz a nada, dizendo para todo mundo empreender...

Então, como fazer?

Primeiramente, em um mundo que já acordou para a idéia da sustentabilidade, não é possível se propor um sistema de produção, criação e circulação de bem-estar baseado apenas na riqueza material ou monetária. Isso está errado e já sabemos que o mundo se consumirá se for nesse caminho. Não tem prá todos (exceto se vier uma guerra nuclear e zerar o odômetro).

Estamos a anos-luz da verdadeira evolução civilizatória, onde a alocação de gente será para tarefas e não baseada no quanto de "riqueza" essa pessoa produz ou consome. Tem que relativizar esse conceito...

Não se justifica mais um indivíduo ter 1000 vezes ou mais a capacidade de comprar algo melhor que seu vizinho. Num mundo de produção em massa (de serviço e produto), automatizado, duvido ter cérebro que vale 1000 vezes mais que outro cérebro ou par de braços. Em vários países não é mais por aí que a coisa passa.

Veja-se os serviços de saúde: quem tem dinheiro tem muuuito mais chance de sobreviver a doenças do que quem não pode comprar tratamento. Instintivamente achamos isso errado... então é algo importante em que devemos prestar atenção, ao invés de virar o rosto pro outro lado.

Em segundo lugar, onde está o acolhimento? A compaixão? Essa idéia que deu tanto vento favorável para diversas religiões está na base do conceito humano: compartilhar inteligentemente para não faltar a ninguém. Em caso de necessidade, todos poderão se ajudar, pois estarão sãos.

Na região dos Alpes (onde Itália, Suíça e Áustria se encontram) as leis antigas anulavam o indivíduo, justificando que quem punha a coletividade em risco deveria ser banido, já que todos partilhavam o mesmo desafio de fazer frente às intempéries, ao frio e neve intensos. O individualismo não tinha lugar. Era radical, mas tinha uma razão. Não vivemos nos Alpes de antigamente, mas... será que um dia poderemos por o individualismo acima do interesse coletivo como se tem feito, especialmente perante o poder judiciário, que autoriza um tratamento de saúde milionário pelo SUS a quem tem advogado bom e o resto arca com isso e fica com o serviço médico medíocre?

Quando, na Revolução Industrial, o ser humano esqueceu que vive em grupo (e atualmente a maioria vive em cidades, o que exigiria ainda mais o sentimento de partilha) e passou a focar apenas em si, parece que buscou justificativas morais para poder prosperar em meio à miséria e ao caos (dos outros). E se auto-engana: diz que o problema é o outro, que não quer estudar ou trabalhar... como se fosse simples assim.

O desconhecimento voluntário ou não de estruturas sociais que determinam muito mais do que a simples genética (ou será que só rico nasce inteligente?) é mais um elemento impeditivo da aceitação pura e simples do ideal liberal de que cada um é livre para fazer as besteiras e belezas que quiser, com o mínimo de intervenção possível.

Então proponho aos liberais brasileiros pensarem no seguinte: o estado pode se corromper facilmente, mas sem tal ente a pobreza explodirá ainda mais, não sendo possível resolver isso apenas criando fundações assistenciais ou balanço social por todos os cantos.

Porque então não incluir na pauta a defesa dos interesses dos incapazes em empreender, sem que isso lhes seja um peso, algo que lhes inferiorize, como sempre acontece?

Uma sociedade que trata indignamente parte dos seus membros é uma sociedade indigna.

Sempre que penso nisso vejo a situação dos escravos quando da abolição... Do dia para a noite viram-se livres, despejados das masmorras, sem teto, comida, ensino ou organização... Tornaram-se livres, mas isso foi liberdade com dignidade?

Faço alegoria, pois é um excelente método para avaliarmos o que falamos. Se formos ao absurdo, veremos o ridículo das propostas quando se diz tudo, todos, sempre, nunca, etc.

E a razão de refletir?

Há hoje pautas variadas no Brasil.

Os auto-nomeados liberais querem quase acabar com o estado, achando que quebrando o termômetro acabarão com a febre. Ao invés de falarem em otimizar, racionalizar e profissionalizar o estado, falam em mínimo ou nulo.

Os populistas socialistas negam que o mercado é o melhor caminho à prosperidade (nota: desde que sustentável e responsável, com freios). Esses querem gozar a riqueza alheia (veja-se o Maduro), à qual não contribuíram, e viver de privilégios como os césares em seus banquetes em Roma Antiga, sem ligar para valor ético ou moral (assim como Bentham propunha).

Eu gostaria muito de ouvir propostas sensatas de liberais convertidos à sensibilidade social. Gente que está propondo otimizar as coisas, mas claramente declarar: nem todo mundo é capaz. Nem todo mundo é empreendedor, vendedor ou virador. Gostaria de ver o darwinismo ("winner takes it all") econômico sumir do mapa.

Eu queria ouvir desses luminares libertários, desses membros da elite financeira, intelectual e política:

Cada cidadão tem seu valor, sabemos que cada um contribui como consegue. Vamos criar meios de inserir na sociedade, pela via da harmonia social, respeitando o direito de propriedade e a livre iniciativa, aqueles que precisam de auxílio - do mais severo ao mais brando - pois uma sociedade só pode se considerar rica se TODOS aproveitam dessa riqueza. E o Brasil É um país rico. O problema é a imbecilidade com a qual a riqueza é criada, gerida e confiscada: ninguém nessa equação faz direito e vamos construir o caminho de melhor harmonia econômica, social e representativa.



Ah, se eu ouvisse isso da boca de alguém, essa pessoa teria meu voto e eu trabalharia até por ela nas eleições!

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