O povo contra...
Exagero revisional aniquila o sistema judiciário, porque a Justiça tarda e, por isso, falha.
Raquel Dodge, Procuradora Geral da República
Há alguns tipos de crime contra patrimônio ou honra particulares que não precisam seguir adiante, pois dependem da motivação da vítima, que "presta queixa" ou não.
Há outros tipos de crime que lesam a sociedade, daí um representante do estado inicia o procedimento em sequência ao inquérito criminal, solicitando a um juiz a punição do criminoso ( a denúncia inicia o processo judicial).
A engrenagem da justiça criminal vem sendo azeitada há séculos: a pena de morte foi abolida na maioria dos países, o castigo corporal e os trabalhos forçados também. A defesa da integridade física e moral dos acusados de crimes veio em um crescendo importante, pois se antes eram tratados como lixo, e quase sem direitos, os anos mais recentes visaram trazer dignidade a criminosos, por mais hediondos que tenham sido os seus atos.
A questão posta em crimes contra a sociedade é: como se a protege, e ao mesmo tempo não se priva de dignidade o criminoso condenado?
A Corte Suprema do Canadá adotou a regra - bastante criticada em virtude de alguns criminosos hediondos que foram soltos - de que o julgamento de um crime não pode ultrapassar 30 meses. O que provocou tal manifestação da corte constitucional canadense é conhecido como Caso Jordan. Nele, o acusado ficou preso por 49 meses (compreendidos desde sua prisão até a decisão de primeira instância) e a corte entendeu que esse prazo não era razoável e suplantava o tratamento digno a um acusado.
O Canadá prende após a decisão em primeira instância. O preso poderá apelar, mas por detrás das grades. Estudos indicaram que esse fator manda um sinal importante à sociedade, aos criminosos, de que a punição por atos criminosos será rápida e eficaz e que, para sair da cadeia, o esforço será grande.
O Canadá coloca, portanto, a sociedade acima do indivíduo, apesar de ser um dos países do mundo com o melhor IDH e alto sentimento geral de respeito à pessoa humana, diversidade, etc.
O Brasil é diferente e hoje, coincidentemente, será julgado pelo Supremo Tribunal Federal, um caso que, entretanto, não trata do prazo razoável para conclusão de um julgamento, mas há conexões.
O Brasil irá resolver se o indivíduo é mais importante que a sociedade.
E coloco um toque de ironia no fato: irá resolver se certos indivíduos, notadamente personalidades políticas relevantes na vida nacional, devem ou não receber tratamento diferenciado da justiça.
Resolverá se o juiz que labuta as provas e o direito na primeira instância, e o colegiado de juízes reunidos em tribunal que labutam as provas e o direito na segunda instância, possuem alguma validade (credibilidade institucional?) no processo judicial.
E coloco um toque de ironia no fato: irá resolver se certos indivíduos, notadamente personalidades políticas relevantes na vida nacional, devem ou não receber tratamento diferenciado da justiça.
Resolverá se o juiz que labuta as provas e o direito na primeira instância, e o colegiado de juízes reunidos em tribunal que labutam as provas e o direito na segunda instância, possuem alguma validade (credibilidade institucional?) no processo judicial.
Indo mais além, o STF resolverá se tal indivíduo deve ter suas garantias individuais sobrepostas ao direito fundamental (constitucional) à proteção e à segurança, que por sinal visa e beneficia toda a coletividade.
O Brasil tem um IDH baixo. Quase ninguém acha que no Brasil se respeita a pessoa humana. O sentimento de abusos de direito e a impunidade reinam, sobretudo no alto meio político e empresarial.
Poder político e poder econômico, no Brasil, são salvo-condutos para a impunidade.
O Brasil não prende criminosos até decisão em segunda instância (exceto em fraglante delito, crimes hediondos, etc.). Talvez nem prenderá mais... pois defende-se que haja 3a e 4a instâncias... que se aplicariam praticamente apenas aos condenados poderosos.
Estes possuem meios econômicos e interesses difundidos nos poderes da República lhes permitindo enrolar processos através de excelentes e caros advogados.
O cidadão comum continuará, independentemente da decisão do STF hoje, a ser sujeito à discricionaridade das autoridades, quando estas forem efetivas no combate ao crime, coisa que no Brasil de hoje, acontece muito pouco. Quando um policial prende, mesmo em flagrante delito, sabe haver 99% de chance de o criminoso ser solto em algumas horas, reincidindo no crime e enviando a mensagem perniciosa e mortal da impunidade.
A frase da Procuradora Geral é sintomática, emitida por quem tem a obrigação de defender a coletividade, a integridade da República, na Corte Constitucional.
É lamentável que um país demande a mobilização de vários segmentos da sociedade para invocar a defesa da coletividade sobre a defesa do indivíduo, independentemente de quem quer que seja. Mesmo que seja a pessoa responsável pela indicação da quase totalidade dos juízes que lhe estão a julgar...
Ronald Biggs conhecia bem como o Brasil funciona.
O ladrão do Trem Pagador inglês garantiu a boa-vida e a impunidade que não teria em seu país natal por meio do salvo-conduto de um filho brasileiro.
O ladrão do Trem Pagador inglês garantiu a boa-vida e a impunidade que não teria em seu país natal por meio do salvo-conduto de um filho brasileiro.
Fanfarrão, Biggs ficou entalado na garganta dos ingleses até finalmente retornar ao país natal, às vésperas da morte. Por décadas Biggs riu de seus concidadãos, debochando-lhes o sistema e esfregando-lhes na cara que bom mesmo é o Brasil: um país que não pune e, quando pune, quase sempre pune errado e a pobre-coitados.
A imagem do dia, portanto, para mim, não é a de Lula, mas a do fanfarrão safado, do criminoso confesso e cara-de-pau: Ronald Biggs: