Virei gringo. Ou: como posso ser tão tolinho?

Fiquei chateado com tanta gente metendo o pau na Beija-Flor, dizendo que é administrada por bandidos e que sua vitória nada tinha de glorioso ao Brasil. Fiz até esse post para comemorar a auto-crítica brasileira na passarela...

Enfim, li várias críticas - inclusive uma, muito correta, postada por um anônimo nesse blog - dizendo que apesar da beleza estética, Nilópolis e tudo o que representa é apenas um lixo a mais no lamaçal brasileiro.

Minha vontade de ver algo de bom no Brasil, renovar a esperança, é tanta, que acabo por fazer como gringos: cegar-me para não ver ou admitir o apodrecimento de todas as estruturas - ou quase todas - existentes.

Li um texto verdadeiro (clique AQUI) da lavra de uma juíza que serviu ao estado em Nilópolis, que transcrevo:

Duas ou três palavras sobre pobreza, corrupção e a Beija Flor.
Trabalhei em Nilópolis durante cinco anos. Fui titular de uma vara que tinha competência, entre outras, para julgar ações contra o município. Também fui juíza eleitoral e fiz três eleições na cidade. Era responsável pelo registro das candidaturas, ou seja, por barrar os candidatos “ficha suja” (como se sobrasse alguém...)
Logo na entrada da cidade, depois da estação de Ricardo de Albuquerque, tem um portal com um beija-flor prateado de uns cinco metros de altura, que é para não deixar dúvidas sobre quem manda ali.
Na primeira semana, minha secretária perguntou aos funcionários nilopolitanos se tinha perigo andar a pé pelo centro da cidade. Naquela época, pré UPPs, não tinha. “Aqui é muito tranquilo. Mês passado andaram acontecendo umas saidinhas de banco, mas depois apareceram cinco garotos executados na porta da agência do Bradesco e as saidinhas acabaram”. Era assim, bolsonaramente, que se resolviam os problemas de segurança pública na cidade.
Já nos outros serviços públicos essenciais não se via tanta eficiência.
Diariamente eu deferia liminares determinando que o município fornecesse remédios a doentes crônicos, ou que internasse pacientes graves. Mas lá, para o secretário de saúde, a decisão judicial era uma mera sugestão, geralmente não acolhida.
Perdi a conta de quantos atestados de óbito a defensora pública juntou aos processos. Perdi a conta de quantos bebês nasceram com paralisia cerebral por anoxia de parto, adiado ad infinitum pela equipe médica de plantão que não tinha condições de atender tanta gente.
Culpa dos políticos?
Além do envolvimento com o jogo do bicho, com a escola de samba, com a milícia, a família Abrahão Davi se reveza na política da cidade há décadas. São prefeitos, vice prefeitos, vereadores, deputados estaduais e federais. Até um senador da república esse minúsculo e paupérrimo município da Baixada Fluminense conseguiu eleger.
De todas as atrocidades que eu tomei conhecimento nesses cinco anos lá, duas coisas me impressionaram demais.
O caso de uma menina de 9 anos, que era tão negligenciada, tão miserável, tão invisível, que nunca na vida teve uma boneca. E aceitou ser estuprada por três homens de mais de sessenta anos, em troca da primeira boneca, que ela escolheu nas Lojas Americanas, com os olhos brilhando.
E o choque que eu tomei quando a Polícia Federal apreendeu mais de um milhão de dólares e euros em espécie, no bunker do bicheiro Anísio Abrahão Davi, lá mesmo naquela cidade. Lembro de ir trabalhar nesse dia, vendo as crianças nas ruas brincando nas vielas de esgoto, a caminho do fórum, sem acreditar no tesouro escondido naquele lugar.
E, por fim, o dia mais deprimente do ano era a quinta feira seguinte ao Carnaval. Ver todas aquelas pessoas, que sofriam com o descaso do Estado o ano inteiro, sorrindo, cansadas, de ressaca, os restos de fantasias, plumas e paetês pelas ruas, entorpecidas com pão e circo, porque a escola tinha, de novo, sido campeã, garantindo assim mais uma eleição para a família que se perpetuou no poder.
“Oh pátria amada, por onde andarás?
Seus filhos já não aguentam mais!
Você que não soube cuidar
Você que negou o amor
Vem aprender na Beija-Flor”.
Sinto muito estragar a festa. A Beija Flor de Nilópolis não tem nada para ensinar.

Não seria surpresa descobrir que o senador eleito é petista, travestido de líder estudantil em 1992 que ganhou as manchetes para depois se revelar como instrumento da grotesca máquina petista de conquista do poder para corromper, roubar, etc. O sujeito foi condenado por diversos crimes, mas ainda não foi preso (como é de praxe). Veja quem é o tal senador e como chegou ao poder clicando AQUI.

Enfim, eu havia escrito um post elogiando a escola de samba... tolinho... consegui ser engalobado pelos bicheiros, pela propaganda, pelo pão e pelo circo... eu e milhões de brasileiros que continuam teimando em querer crer que o Brasil pode mudar para melhor.

Virei gringo.




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