Novas dimensões internacionais

Definitivamente, o mundo atual é bilateral.

O multilateralismo representado pelas instituições originadas em Bretton Woods e a ONU estão em franca decadência aos olhos dos países mais influentes do mundo. Aí se inclui a tardia OMC, que desde 2001 patina em busca de prestígio e exclusividade para questões ligadas à governança comercial global.

O mundo em desenvolvimento pugna pelo multilateralismo. O problema é que, ao terem obtido voz e dominarem razoavelmente os métodos de diálogo, seu peso majoritário nas instituições multilaterais tem servido não apenas ao benéfico movimento de nações pobres ou em desenvolvimento se fazerem ouvidas. Elas tem adotado políticas ideológicas e, como seria natural, trazem consigo, ao assumirem maior responsabilidade na cena internacional, sua própria cultura que é marcada pelo autoritarismo, descuido com o interesse coletivo e insensibilidade para questões diplomáticas.

O leitor está bastante familiarizado com Trump, que mais parece um elefante na cristaleira. Trump tem gestos grosseiros doméstica e internacionalmente, especialmente no âmbito do NAFTA, que ainda é um exemplo razoavelmente bem sucedido de integração de mercados. Só que Trump não diz novidade alguma, já que o protecionismo está em alta desde a crise econômica em 2008. Ele é apenas uma caixa de ressonância desafinada, ecoando o nacionalismo comercial crescente que contaminou o mundo desenvolvido. Reputar ao Trump o sepultamento do multilateralismo é o mesmo que reputar ao Collor a abertura comercial brasileira. Ambos estavam no momento certo, na hora certa, para carimbarem algo que era inevitável.

E a culpa disso tem endereço de origem:

1- As multinacionais expandiram seus negócios mundiais por meio da deslocalização, realizada especialmente nas décadas de 80 e 90, quando atingiu-se o auge da globalização. Ao transferirem suas fábricas e tecnologias de seus países prósperos, educados, laboralmente organizados e ambientalmente responsáveis, para países sem qualquer proteção legal aos trabalhadores, ao meio ambiente e sem cuidado em combater a corrupção, as multinacionais (dentre as quais podemos incluir Nike, GM, Apple, etc.), a tecnologia de gestão e a cadeia logística global transgrediram normas sociais de coesão, gerando ódio à globalização, que acaba se manifestando de forma por vezes violenta, como em Seattle 1999, mas também representada pela falência do diálogo.



2- Os bancos e instituições financeiras globalizados, maiores beneficiários da financiarização - esta fez descolar as trocas financeiras mundiais do vínculo com a economia real, permitindo a migração instantânea de absurdas riquezas ao apertar de um botão - criaram uma classe de plutocratas virtuais, seguidos rapidamente pelos gênios da internet. A concentração de poder econômico em tão poucas mãos, em curto espaço de tempo, fez com que juízos de conveniência contrariassem juízos de valor, normalizando a ganância sem limite e incutindo, em populações mais educadas, o sentimento de não-pertencimento às sociedades onde se trabalha e para as quais se contribui na geração de riqueza. A despeito de aparente prosperidade, as populações sabem-se mais pobres, mais endividadas, mais dependentes de bens inúteis, mais infelizes e, especialmente, mais dependentes de drogas ou anti-depressivos.



3- Os oligarcas dos países pobres e em desenvolvimento, na maioria das vezes usurpadores de poder por meio de golpes de estado ou domínio hereditário, passaram a aboletar-se em instituições internacionais e a organizar-se sob o manto do não-alinhamento. Esses novos "representantes dos pobres", convenientemente assim chamados, assumiram papéis importantes em organizações internacionais, como OMS - Organização Mundial da Saúde, UNESCO ou Conselho de Direitos Humanos da ONU, em vista do princípio de direito internacional garantindo paridade de votos por nação. Ao assumirem o poder em organismos multilaterais, estabeleceram-se como feudos e não substituíram a visão hegemônica de países ricos por uma prática mais equitativa e equilibrada. Pelo contrário. Adotam uma postura autoritária, direcionam as entidades para seus próprios interesses e fazem o que podem para afastar, movidos pelo recalque, nações que montaram a estrutura do estado de direito do qual ora abusam. O exemplo Mugabe na OMS não poderia ser mais significativo.

Abaixo, lista dos ditadores africanos... bem representados em órgãos multilaterais...



4- O dumping comercial efetuado por diversas nações, que obtiveram tratamento preferencial no comércio nos anos do GATT (pré-OMC), ajudou na superação das dificuldades iniciais de concorrência de seus produtos nos mercados internacionais, mas gerou vantagem abusada tempos depois. China, Brasil e Índia, para citar apenas alguns nomes, conseguiram, com menor ou maior sucesso, tornarem-se atores no comércio internacional utilizando-se de vantagens competitivas reinvidicadas, aceitas pelos países dominantes. Praticando atos desleais, em especial o furto de propriedade intelectual e guerra de moedas, sem abrirem seus mercados, fizeram com que a população mundial entendesse que o multilateralismo não era assim tão vantajoso e os formadores de opinião passaram a ser contra a abertura comercial indiscriminada.

O cenário atual é de fechamento, de proteção de mercado, de tentativa de retrocesso.

Em um mundo tão conectado, retroceder é difícil, mas não impossível.

As instituições multilaterais estão esvaziadas. Não é surpresa alguma...

A ilegitimidade do Conselho de Segurança ("CS") da ONU também ajuda a minar o sistema do pós-guerra, que trouxe paz em nível planetário, permitindo guerras e genocídios localizados.

A ONU, por si só, teve pouca ou nenhuma influência positiva no fim de guerras e genocídios, demonstrando-se inoperante com os instrumentos dos quais dispõe, mas especialmente em virtude da forma como se deliberam as intervenções. O CS é hoje uma causa de instabilidade mundial, de guerras, já que perpetua a beligerância, uma guerra de nervos que enterra o sonho de uma humanidade comprometida com a paz, realmente comprometida.

Eis algumas tragédias humanas onde a ONU não fez quase nada (ou fez tarde demais): Camboja, Vietnã, Sudão, Ruanda, Bósnia, Síria, Yemen, Haiti, República Dominicana, El Salvador, Cuba, Tibé, etc.

O futuro?

Ora, ele não promete mais um entendimento das nações sob a mesma visão de mundo que a ONU projetou como regra da paz mundial. A paz da ONU... essa não ocorreu. Poderia ser bem pior, sem um local de diálogo diplomático, mas o sistema faliu e precisa de conserto urgente.

Até lá, excrescências como o Conselho de Direitos Humanos da ONU, liderado pela Arábia Saudita (!!!) e composto por países que abusam os seus cidadãos diuturnamente, continuarão justificando o fim do multilateralismo...




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