Educação continuada entre fundamentos e técnica

O mercado de trabalho pode ser extremamente cruel, especialmente para com desatentos e acomodados (mas não exclusivamente para estes), independentemente de sua idade.

O modelo antigo e antiquado de aprendizado visava a obtenção de um diploma, pelo qual o ofício aprendido era atestado por algum tipo de entidade certificadora.

A profissionalização tem origem nas corporações de ofício, organizadas sob autorização imperial em que a reserva de mercado era garantida e sua violação punida com extremo rigor.

A diplomação é um resquício das corporações de ofício, pois se por um lado atesta que uma pessoa cumpriu créditos e teve notas suficientes confirmando ter aprendido algo, por outro lado é uma barreira diferenciando quem tem formação formal daquele que conhece o ofício na prática.

Seria uma falácia dizer que uma profissão se reduz a um diploma. Talento, vocação, sensibilidade e tantos outros atributos fazem um (bom) profissional. Imigrantes qualificados sofrem muito com o formalismo da frase anterior, pois se deparam com reservas de mercado travestidas em regulamentos e exigências de equivalências de diplomas totalmente absurdos, apenas justificados para a época medieval das corporações de ofício...

Em um mundo acelerado, onde novas tecnologias substituem rapidamente alguns ofícios - manuais ou intelectuais - nada mais natural que ser repensado esse modelo fechado ou estrito, o modelo dos diplomas formais.

Por isso acho que é importante distinguir fundamentos e técnica.


Uma coisa são os conhecimentos de base, a formação teórica de todas as ciências que, se sólida, permite a edificação e sofisticação do ser humano e, portanto, da sociedade como um todo. O brasileiro sempre fala muito do problema da educação e é um excelente ponto, já que fora das "ilhas de excelência" brasileiras a educação de base é extremamente insuficiente, inadequada e pobre. Isso forma cidadãos pouco instruídos, perpetuando a reciclagem da pobreza (material e intelectual) que retarda o progresso de um país com potencial natural bem avantajado.

Só que, de potencial, ninguém vive. Tem que realizar algo.

Superada a questão do ensino de base, que constitui em informação e (muito importante) capacidade de avaliar, criticar, refletir e criar, quanto mais técnica se adicionar, mais sofisticada, confortável, rica e progressista a sociedade será.

Um país fundamentalista, rígido, onde nada pode ser questionado, criado e proposto, a vida estando sujeita ao perímetro imposto pelos dogmas (sociais, religiosos, econômicos), além de tornar seus habitantes em seres infelizes, está condenado ao fracasso como organização social.

Quando for ultrapassada a época da exigência dos diplomas (já atingida em pouquíssimas sociedades altamente qualificadas, como nos países nórdicos), o ser humano feliz e que contribui à evolução social será aquele que não se nega à tarefa constante de aprender, informal e formalmente, que não teme a própria ignorância, nem o conhecimento do seu próximo.

O conceito de ano sabático, que brasileiros pouco conhecem ou praticam, é fundamentado no que acabo de indicar.

Profissionais, independentemente do seu sucesso, param por um tempo para fazer novas formações, ver o mundo, refletir sobre sua inserção profissional e social. Assim, voltam melhores, mais capacitados e sólidos para empreenderem aquilo que compreenderam sabem bem fazer, de uma nova forma.

A linearidade intelectual, portanto, parece mediocrizante.

Limitar-se a olhar a um diploma pendurado na parede, sem desafiar o próprio conhecimento ou pesquisar o que de novo pode estar acontecendo por aí, é auto-engano que não apenas empobrece intelectualmente. Tal postura pode empobrecer materialmente o indivíduo, afastá-lo do convívio profissional e social, posto que torna-se obsoleto.

A pergunta que se faz é: quem pode se dar ao luxo de um sabático?

Dinheiro e conhecimento podem andar juntos - quem consegue pagar uma anuidade de uma universidade da Ivvy League nos EUA, que pode chegar a 100 mil dólares, além dos custos de manutenção, alimentação, hospedagem, livros... etc? - mas não significa que sejam irmãos siameses.

Há várias formas, gratuitas ou baratas, de programar e executar o plano de crescimento intelectual, com ou sem diploma, para se adequar às exigências próprias e do mercado de trabalho/inserção que a pessoa almeja, sonha, etc. Afinal, só se vive uma vez, não?

Vejo a satisfação de pessoas que se cercam de conhecimento, que o buscam incessantemente, pois elas trazem o lufar dos novos ares, da ventilação, de uma oxigenação natural. E elas naturalmente passam a compartilhar conhecimento, tendo prazer em levar o saber ao próximo.

Cada vez mais as instituições de ensino e as organizações capitalistas estão sensíveis aos novos modelos de qualificação constante e trabalho em geometria variável. As linhas de montagem estão sendo automatizadas e pessoas são substituídas por robôs.

Vai se perdendo o sentido em existirem sociedades voltadas para a produção, progressivamente substituídas por aquelas onde seus membros buscam o auto-conhecimento (ecologia e nutrição sendo um elemento essencial) e o conhecimento geral (diversidade cultural, religiosa, etc.).

A velocidade com a qual sociedades evoluem é determinada por muitas variáveis, mas não há dúvida que a grande diferença está na educação. Países sem abundância de recursos naturais, mas com povos centrados no conhecimento (os Tigres Asiáticos e Israel são o melhor exemplo) conseguem atingir uma qualidade de vida sensacional, cada vez mais vivendo do fruto de sua produção intelectual e não braçal. Algumas vezes, seu sucesso atrai a ira incofessável da inveja, traduzida em ideologias e atos de guerra, como podemos constatar especialmente no caso israelense e sul-coreano.

Sociedades que pouco investem no intelecto tornam-se vegetativas, sujeitas a regimes políticos tiranos, assoladas por tragédias naturais e humanitárias ainda que abençoadas por abundantes recursos naturais.

Resta-nos, como elite intelectual que tem acesso à informação, promover nossa reciclagem constante e irradiar a alegria que um cérebro ativo traz.

Mais lidos

Mentiras de Estado

Com ou sem máscara?

Ditadura do Judiciário exposta: Congresso Norte-Americano

A democracia-ditadura: o poder sem representação

Manipule e influencie os jovens: eles poderão ajudar no esforço destrutivo de amanhã

Um texto magistral para a magistratura brasileira