Com ou sem máscara?

Quando estudava Direito Internacional, nos idos da época do bacharelado nos anos 1980, fiquei intrigado por dois tratados fundamentais à matéria: Westfália e Viena.

Foi em Westfália que, em 1648, a Guerra dos Trinta Anos encerrou-se. Aquele gesto de fadiga resultou de certo convencimento de que a única alternativa à eliminação física e completa de oponentes numerosos seria a criação de regras para uma tolerável convivência pacífica entre culturas e crenças diferentes. Tal constatação prática permitiu a muitos sonharem com a tolerância religiosa. Dai em diante, a Europa se desenvolveu permitindo florescer sua ciência, impulsionando desde ali o Iluminismo. Aquela também é a data oficialmente declarada como o fim do Império Romano

Westfália deu força à formalização e à ritualização das relações diplomáticas, lançando bases para uma idéia adotada séculos depois, de que acordos secretos de cooperação militar criavam inseguranca e riscos desnecessários. Reis faziam acordos entre si, num xadrez geopolítico difícil de ser entendido (absolutamente ignorado pelos súdidos). Traições e intrigas eram a regra. Alguma semente da valorização da paz em substituição às glórias da luta foi lançada, infelizmente aguardando até 1945 para serem conhecidos os riscos da aniquilação absoluta, do genocídio.

Já o Congresso de Viena, ocorrido em 1815, normalizou as relações internacionais permitindo criação de  estados nacionais europeus, juntamente com o ideal de que nenhum estado teria preponderância sobre o outro no Continente Europeu... algo que fazia sentido após as ambições hegemônicas napoleônicas (as mesmas que inspirariam nazistas, mais de um século depois).

Viena criou certo ambiente de confiança mútua entre nações assoladas pela guerra, gerando integração de povos via comércio e modernidades como o trem de ferro. As novas nações se uniriam criando enorme desenvolvimento mercantil e prosperidade.

Seria em Haia, nos anos de 1899 e 1907, que convenções sobre a diplomacia auxiliariam na criação de mais regras e ritos permitindo uma convivência e, sobretudo, diálogo entre as nações, em um período em que não se concebiam organismos do tipo Liga das Naçoes ou Organização das Nações Unidas.

Tudo isso contou para que, ao invés de acordos secretos, escusos, colocando em risco o mundo, a idéia de transparência em relações internacionais abriria espaço para uma interdependência produtiva.

Só que, na prática, não é a assim que funciona.

A distância entre a teoria romântica e do teatro que vemos na ONU, e a realidade nua e crua dos acordos entre ditadores sanguinários e políticos travestidos de democratas, continua imensa.

Acreditar no que se vê acontecendo na ONU e nas conferências pluri ou multilaterais é praticamente a mesma coisa que crer em Papai Noel.



A luz, ainda que entrando por frestas, é o que faz criar esperança, já parecia dizer o poeta-músico Leonard Cohen.

Quanto mais opacidade em relação aos fatos e às opiniões sobre os fatos, quanto menos oxigenação e luz, menor a chance de se criar um mundo mais pacífico e harmônico.

O problema da opacidade relacional foi bem elaborado em Direito Internacional, antigamente também designado de Direito dos Tratados (quando a teoria clássica informava apenas Estados-Nacionais serem sujeitos desse Direito, admitindo certas espécies de Organizações Internacionais).

Vivemos hoje novo ápice de desconfiança mútua. 

A desconfiança causou a Guerra dos Trinta Anos e muitas outras. A diferença do mundo atual é o grau com que a desconfiança e a divisão foram internalizadas, certamente impulsionadas por forças externas infiltradas, como informado em todo tipo de mídia e informes governamentais, como nesse artigo.

Os dias atuais exigem enfrentar um ambiente artificial, projetado, em que obscuridade, censura e ignorância são festejados, mas desde que haja alinhamento ideológico. Os interesses e alianças são excusos, utilizam-se de várias camadas, algumas reveladas, mas raramente escrutinizadas adequadamente para permitir-se distinguir fatos, de teorias conspiratórias...

Sabendo-se errados, destrutivos, mas motivados por ideais fundamentados em dogmas e desinformação, jovens em exagerado número tornam-se, como no ângulo que escrevi aqui, em massa de manobra mascarada, orientada por abutres instalados em partidos políticos, universidades e porões, comprometidos com a erradicação da luz, da harmonia, para no caos prosperarem. 



No cenário atual, gente muito ruim e desonesta tem tido enorme sucesso em fomentar sentimento de insegurança e ódio. Quando voltamos os olhos às notícias e mídias sociais, vemos um feixe de informações que, dependendo da profundidade da análise, revelam várias linhas de pensamento conflitantes e, no extremo, perigosas. 

Dizem que os algoritmos utilizados em todas as comunicações públicas atuais tendem a ressaltar visões extremistas e, por mera observação, é o que parece estar acontecendo. 

O problema é que o público tem pouco feito para investigar o quanto tem sido orientado na maneira de consumir idéias e dados.

Felizmente, a vida real, relacional, é mais relevante e importante do que o que se lê nas mídias em geral. Viver ainda é mais divertido e rico do que afundar-se em telas... mesmo sabendo haver gente que não tem plena consciência disso e naufraga no mundo inventado, falso e destrutivo.

Esse ambiente tóxico, que tratei aqui, sob outro ângulo, tem aproveitado a movimentos políticos e sociais. Alguns, notadamente os mais barulhentos e incômodos - já que quanto menos legítimos, mais barulho e danos precisam causar - propugnam pela censura e pelo silenciamento do dissenso.

É bom manter a perspectiva ampla dos fatos locais e do mundo.

É saudável saber que várias disciplinas, como o Direito, guardam importante histórico de fatos e evoluções, desmistificando mentiras que foram contadas séculos atrás. E quem ignora o passado está condenado a repetir seus erros.

Pôr e manter os pés no chão, guardar os olhos abertos, e o espírito também aberto, visando aquecer o coração como objetivo maior e contribuir à sociedade, talvez ainda constituam a melhor fórmula para manter-se a sanidade mental e física em um mundo que não está doente, mas que no desejo dos maus e dos desviados, desejam seja visto como doente, sempre...


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