Como você sabe?

 O paradoxo da informação livre e abundante é atualmente o mais perigoso problema que a elite humana enfrenta.

Por elite humana refiro-me às pessoas que conseguem ler-me e a qualquer um do outro lado do planeta, acessando informações além daquelas restritas a seu limitadíssimo círculo existencial local. 


A internet foi comemorada, há mais de 30 anos, como uma tão-esperada janela democrática ao universo. Ela uniria os povos, permitiria acesso infinito e a custo irrisório a todo o conhecimento humano acumulado.

Esse conhecimento, restrito às elites do planeta, às pessoas com meios e tempo disponível para se educarem, finalmente seria democratizado, tornado acessível a qualquer indivíduo capaz de postar-se por instantes diante de um computador (ou posteriormente a um telefone inteligente) ligado à rede mundial.

Infelizmente não basta ter acesso à informação.

É preciso saber combinar boas fontes de informação, possivelmente indo a fontes primárias, para conseguir distinguir fatos, de opinião, chegando-se a alguma conclusão sobre o tema que se busca conhecer. 

O esforço pode ser imenso, pois exige técnica e paciência, algo raro em leigos, gente sem formação ou disposição mínima para efetuar buscas além daquela básica de Google ou ChatGPT. Caso contrário, o indivíduo torna-se vítima de narrativas falsas travestidas de dados e fatos, mas que na verdade são mentira em estado elaborado.

Há os preguiçosos, os que desejam mastigar algo líquido, que consomem mansamente. A esses, não me dirijo. A preguiça já os condenou à mediocridade e à escravidão da qual, inclusive, muitos reclamam.

Depois de se coletarem os dados confiáveis, de fontes cruzadas, testadas e confrontadas por ângulos diversos, é preciso incluir o elemento ético ao consumo da informação

Isso porquê apenas informação de qualidade torna-se conhecimento.

Informação falsa, ou de má-qualidade, é o oposto do conhecimento. Ela gera preconceito, induz a erros de avaliação, de julgamento, tanto a fatos quanto a coisas e pessoas.

Finalmente, a contextualização do conhecimento também é necessária, sob pena de inutilidade do conhecimento arduamente adquirido.

Um exemplo: de que adianta um indivíduo de tribo brasileira Tupi-Guarani adquirir conhecimento sobre diversas nomenclaturas dadas ao gelo e à neve pelo povo originário Inuit (residente do Canadá)? Poderão achar curioso, poético, mas sem utilidade alguma, já que no contexto Tupi-Guarani é praticamente nula a probabilidade de enfrentarem problemas com gelo e neve...

Faço a analogia acima para exemplificar o sem-número de notícias disponíveis em todas as mídias sobre assuntos que agregam absolutamente zero em nossas decisões ou motivações...

O diagrama popular abaixo é bastante inspirador:


A humanidade está atualmente diante do paradoxo da informação livre e abundante, pois possui a impressão de que tudo lhe é acessível, mas na verdade a inundação de dados apenas lhe afoga, cria ansiedade, sem permitir o esperado avanço que o conhecimento deveria proporcionar.

O paradoxo consiste no fato de termos acesso a tantos dados, mas eles nos servirem de quase nada, na maioria das vezes, para a maioria das pessoas. Acessar dados virou entretenimento, não conhecimento... como McLuhan teorizou em seu delírio sobre meio-mensagem.

Há propostas de regulação e controle do acesso à informação e das plataformas que as disponibilizam, hoje grandes multinacionais. Parece haver, por detrás da maioria das propostas que tenho visto, um propósito de censura ou escolha da informação, algo mais simplório (e mal-intencionado) do que apenas advertir a todos que acessem dados sobre a boa técnica e os cuidados para obterem informações e eventualmente as usarem em suas vidas e escolhas.

Já há bons exemplos no sentido de auxiliar o curioso a adquirir melhores informações e, por consequência, conhecimento.

Quando qualquer investidor, sobretudo o pequeno investidor, resolve comprar ações ou um fundo, o banco ou a corretora são obrigados a avisarem dos riscos e que o investidor deverá efetuar investigações sobre o que está desejando comprar, devendo melhor se informar. Coloca-se portanto não no poder público, não no Estado, o ônus de fazer a escolha pelo investidor, mas nele próprio, que tem liberdade de dispor da sua poupança, bastando o mercado e o Estado dizerem: informe-se melhor e bem, pois há riscos.

A abundante informação de hoje é uma dádiva.

Tentar limitá-la equivale ao esforço de colocar o dentifrício de volta em seu tubo, depois de espremido.



Há um problema maior, um hábito da humanidade decorrente das relações de poder que marcam integrantes do reino animal, dos menos aos mais racionais. Por mais que por vezes desejemos negar, integramos esse reino animal, estando inclusive no topo da cadeia alimentar em vista de nossas habilidades predatórias.

Informação sempre foi elemento de poder

Antecipar geadas ou tempestades gerou a prosperidade de certas tribos, se comparadas a outras, imprevidentes e condenadas à pobreza, fome e atraso. Criar e manter sigilo sobre armas diferenciadas proporcionou a prevalência de certas tribos sobre outras, como ocorre ainda hoje. 

E assim por diante afirma-se o poder da informação e, talvez a coisa mais lastimável à espécie humana: o uso do poder da ignorância.

O analfabetismo é uma tristeza; o domínio de grupos analfabetos por gente educada e organizada é condenável sob todos os ângulos.

O que o paradoxo da informação livre e abundante permite é a criação de novos tipos de analfabetismo. A falsa impressão de acesso a dados, sem técnica para aferir sua qualidade e veracidade, sem ética para contextualizá-lo, tem gerado danos e desintegração.

As sociedades ocidentais, inventoras da internet e do acesso ilimitado a dados, motivadas por seus ideais de democracia participativa e livre informação, passaram a regurgitar informações mal digeridas, mal processadas.

A reciclagem de lixo (informação de má qualidade) gera mais lixo e o Ocidente é hoje vítima de seu próprio sucesso. A criatura passou a devorar seu criador.

Tanto é verdade que as propostas de regulação da mídia, das plataformas de informação e tudo o que se diz a esse respeito, passam invariavelmente pela criação de órgãos ou mecanismos centralizados de controle, em uma concepção orwelliana totalitária onde indivíduos serão monitorados e tutelados em nome de um suposto bem comum (que em um dia se chama democracia, no outro igualdade ou outras obviedades).

Vários países vêm exercendo tal controle, como China, Coréia do Norte e, mais recentemente, Rússia. Sendo países totalitários, é fácil entender-se como desejam limitar o acesso à informação. Visam evitar que a conscientização de indivíduos ou grupos de indivíduos sobre mazelas de suas próprias sociedades transforme-se em movimento colocando em risco as elites que lhes governam com mão de ferro.

Supreendente é ver o Ocidente, e principalmente vozes influentes da mídia e da academia, além da política, entenderem que, ao invés de educar-se o cidadão para melhor compreender a riqueza da livre informação, desejam reeducá-lo pela restrição ao seu acesso.


O poder ilimitado sobre a informação e, principalmente, o fomento da ignorância generalizada continua sendo o sonho dos autocratas e seus auxiliares. Essa luta constante pela liberdade humana parece estar longe de acabar, mas felizmente haverá raios de luz entrando pelas fendas das prisões que os poderosos ainda insistem em construir.

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