Uma semana após a ressaca do resultado das eleições brasileiras de 2022 - sobretudo presidenciais - um dos piores conselhos a dar a alguém com traumas emocionais ou psicológicos tem sido ouvido com frequência: "o tempo vai curar".
Meus posts anteriores examinaram, ad nauseam, as distorções e desafios artificiais impostos ao governo Bolsonaro e à sua campanha de reeleição, sendo desnecessário repassar a trágica história recente dos abusos cometidos no Brasil por quem o toma pelas rédeas, como se toma a um servil jegue.
O presidente foi inimigo de si mesmo, desde sua eleição em 2018. Não foi, entretanto, seu pior inimigo. O establishment viu na inabilidade uma grande oportunidade e organizou-se de tal forma que a coação ao eleitor e a instituições republicanas tornou-se irresistível. Venceu a organização, o mecanismo.
Você, que também integra os mais de 58 milhões de brasileiros que conseguiram pôr o voto na urna e vê-lo validado, saberia dizer por quê o tempo não vai curar nada?
Seres desmiolados se esquecem. Seres irracionais também.
Se você bater (levemente) em seu fiel cão, tratá-lo mal para padrões de costume, ainda assim ele virá abanando o rabo, se você lhe agitar um osso saboroso. Ele não trará rancor; deixará tudo para trás em nome da fidelidade àquela mão que o alimenta.
Os seres humanos não costumam ser assim, após adquirirem nível básico de dignidade e educação. Eles se lembrarão e reviverão as más emoções, o amargo na boca voltará, como foi o caso das recentes eleições de 2022 para 2/3 dos eleitores brasileiros.
Apenas quem é absolutamente ignorante em psicologia (não falo daquela ensinada em faculdade e sim aquela fundada no bom senso, acessível a todos os que, com alguma sensibilidade, observam) acha que o tempo cura. Grave engano. O tempo nada cura; ele apenas aposta no esquecimento e, mais ainda, no perecimento daqueles que sofreram abuso ou injustiça.
Elie Wiesel sobreviveu ao Holocausto e dedicou sua vida à propagação de valores humanos fundamentais. Sua missão maior foi dizer sempre: jamais se esqueça. Dentre frases mais profundas e famosas de sua obra, cito:
Tome partido. A neutralidade ajuda o opressor, nunca a vitima. O silêncio encoraja o torturador, nunca o torturado.
O oposto do amor não é nenhum ódio, é a indiferença. O oposto de arte não é a feiúra, é a indiferença. O oposto de fé não é nenhuma heresia, é a indiferença. E o oposto da vida não é a morte, é a indiferença.
Não serás uma vítima. Não serás um algoz. Acima de tudo, não serás um mero espectador.
Empurrar sentimentos de revolta e injustiça para sob o tapete apenas indica indiferença ao sentimento alheio, retardando e intensificando a dor, que se vê forçada a esconder-se. Além de causar contrariedade à própria pessoa abusada, o mau sentimento poderá ser dirigido a si mesma (somatizando, criando doenças ou mesmo suicídio) ou explodirá descontroladamente, afetando a próximos algumas vezes de forma violenta.
O que se assiste no Brasil é um abuso continuado por quem detém o poder maior, por quem está sentado no pólo de último recurso democrático em um estado que se esperaria de direito: o Judiciário.
Antes salvador-moderado da democracia em tempos de trevas, transformou-se o judiciário de instâncias superiores em algoz da cidadania. Cometeu e continua cometendo abusos que apenas o tempo não curará.
A abordagem direta, honesta e consequencial poderá auxiliar na reconstrução democrática do país.
Haverá, entretanto, interlocutores para que isso ocorra?
Essa peça do Kanitz auxilia a compreender sob o ponto de vista não apenas político, mas econômico, o imenso desafio adiante para os brasileiros. E fica a pergunta: a proceder-se assim, com empoderados e o tal 1/3 ditando costumes e regras, os 2/3 serão mantidos amordaçados, o tempo todo?...