Alucinógenos

 A realidade bate, novamente, à porta e incomoda aos viciados em alucinógenos.

A economia mundial enfrenta sérios desafios sobretudo no curto-médio prazos, com produto bruto caindo e aumento no custo da energia (além da incerteza em seu fornecimento).

O Canadá tem, há vários anos, se sustentado em dois pilares alucinógenos produzidos por um governo pouco visionário ou comprometido realmente com a sustentabilidade econômica: cannabis e juro baixo.


Doze anos de juros baixíssimos permitiram o aumento desmedido, consistente e progressivo de ativos (tanto tangíveis, quanto intangíveis) e dos serviços. Com o aumento artificial do poder de compra do cidadão, por meio da alta liquidez causada por juros praticamente negativos durante esse tempo todo, passou-se a consumir sem freios.

O mercado imobiliário nos países ricos teve uma alta desconectada da realidade, baseada nesses alucinógenos. 

Todos, inebriados, foram às compras, deixando de lado prudência e o senso de realidade. O gráfico abaixo demonstra a insanidade que atingiu o setor imobiliário (sobretudo a partir da crise de 2007) nas principais cidades canadenses, obviamente sem que tal aumento de preço se espelhasse na renda ou nos salários de seus habitantes.


A globalização, que oferece baixas tarifas e facilitação do comércio, foi a grande beneficiada pela alucinação dos juros baixos. Foram quase duas décadas de consumo desenfreado.

Balanças comerciais negativas de países desenvolvidos provam que o consumo de produtos importados explodiu, causando transferência dessa riqueza fictícia para exportadores de manufaturas, liderados pela China e seus vizinhos asiáticos. Os produtores de commodities, como o Brasil, tiveram seus (poucos) dias de glória.

Só que, um belo dia, a realidade bate à porta. E esse dia chegou. E o primeiro-mundo não está preparado para isso, pois ainda continua alucinado, com políticos despreparados ou sem qualquer apetite para enfrentar a ressaca impopular que virá quando o efeito alucinógeno passar. Os líderes-celebridades, então, não têm estrutura emocional e intelectual para aguentarem protestos de cidadãos nervosos e descontentes, que exigem maior competência e disciplina...

A própria China encontra-se em encruzilhada econômica - não produz mais tão barato e o temor geopolítico atinge suas trocas e processos de transferência de tecnologias para aquele país - e financeira - o PCC se esforça para conter a bolha financeira que se explodir terá efeitos catastróficos.

Alan Greenspan, presidente do FED durante tempo demais (1987 a 2006), impediu que críticas ao afrouxamento da gestão monetária fossem adiante. Seu legado catastrófico custou imensamente, não apenas aos EUA, mas ao mundo, entretanto parece que os banqueiros centrais pouco aprenderam com tal lição. A liquidez e os juros baixíssimos dos últimos anos são prova de que o bem-estar (feel good) proporcionado por alucinógenos gera mais simpatia nos meios políticos do que o enfrentamento da realidade... 

O mesmo desastre, em formato e velocidade diferentes, entretanto, se anuncia.

Inebriadas pela liquidez maravilhosa oriunda dos juros baixos, empresas e pessoas se endividaram à vontade, como se não houvesse amanhã. Empresas de tecnologia, com zero em ativos tangíveis, surfaram como nunca e já estão sofrendo drasticamente.

Governos pródigos, como o do atual premier canadense Trudeau, navegaram nas águas calmas da enorme liquidez priorizando agendas públicas que pouco ou nada agregam à economia. A falsa fartura reduziu a capacidade competitiva do país. Um bom exemplo é o bloqueio governamental à construção de oleodutos permitindo menor dependência de importações (já que o Canadá está entre as 5 maiores reservas de hidrocarburetos do mundo), o famigerado imposto sobre carbono e compromissos ambientais caros e incompatíveis com um país de clima e geografia tão complexos como o Canadá.

O Brasil também foi um ótimo exemplo de má gestão e obtusidade no preparo para tempos difíceis, quando do governo petista. 

Na hora em que a responsabilidade econômica bateu à porta, o país faliu. Poucos duvidam que o Impeachment (2016) ocorreu principalmente devido à incompetência gerencial de Lula, de seu poste (Dilma) e de seu partido. É triste notar que, em 2022, a mesma turma tem reais chances de voltar ao protagonismo, a despeito de sua  ficha policial de corrupção epidêmica e incompetência administrativa comprovada.

Como a memória costuma ser curta, lembro minha leitora/meu leitor das capas da famosa revista The Economist, com apenas 4 anos de diferença (2009-2013)... 



O que ocorre nesses períodos críticos é a escolha dos poucos vencedores (sobreviventes?). Não será possível salvar a todos. Os poderosos, sobretudo os políticos, agem como Noé: selecionarão entre quem vai ser salvo do dilúvio e quem vai morrer afogado.

Sabe-se não haver expansão monetária sustentável sem consequente inflação. É impossivel dar cheques para todo mundo e impedir um efeito dominó de preços na cadeia produtiva. Estados inchados terão redução na receita de impostos, com desaquecimento econômico (recessão ou mesmo depressão). Cidadãos com crédito no vermelho reduzirão o consumo, hesitarão ao consumir. Os baixos níveis de desemprego não são sustentáveis em economias onde a decisão de crédito deve levar em conta a responsabilidade impactada por incerteza e juro alto.

Já se vê a queda no valor de ativos. As bolsas de valores derretem. A queda de preços começa a atingir o mercado imobiliário, que está paralisado há alguns meses. Em pouco tempo, bancos retomarão imóveis por falta de pagamento, já que alguns cheques do governo não resolverão a inadimplência das hipotecas.

Membros de governos incompetentes estão arrancando os cabelos, pois não sabem como agir em momentos desafiadores como o atual. Seus belos discursos e agendas fúteis não lhes formaram para enfrentarem situações que exigem ortodoxia, pragmatismo e objetividade. Bons de conversa, não administram.

Os jovens já abandonaram, há muito, o sonho de terem casa própria no Canadá, nos EUA, na Europa, no Brasil... Sabem que suas rendas, seus salários, não alcançam o alto preço dos imóveis (como provado no gráfico acima). Mesmo com os preços de imóveis baixando, os juros se tornaram o vilão. Alta inflação exige alta de juros, para se conter o consumo e ainda maior depreciação da moeda. Jovens vêem-se sem renda suficiente para adquirirem seus imóveis.

Há um fator adicional preocupante, uma tendência ruim: fundos de pensão e grandes investidores têm comprado alto volume de imóveis residenciais para gerar dividendos a seus acionistas. Diante dos altos juros atuais, esses gestores de carteiras imobiliárias possuem a obrigação de ser altamente rentáveis (ou seja, impõem aluguéis altos). Compradores potenciais encontram-se progressivamente alijados do mercado imobiliário (ou condenados a comprar imóveis decreptos, insalubres, de má qualidade). E imóvel ainda constitui maior reserva de valor para uma aposentadoria tranquila, sobretudo em tempos incertos, em meio a governos pródigos. 

Esse cenário de incerteza piora expectativas, humor, disposição para investir. É desanimador...

O teste para as redes de assistência social de cada país está apenas se iniciando. Os que possuem melhor rede, melhor gestão, sairão à frente, permitindo que sua população não se degrade, nem desespere, pois todo movimento econômico é cíclico e depois da tempestade sempre vem a bonança (só não se sabe quando).

Rico será quem não tem dívida. E sabe onde guardou sua bóia, enquanto aguarda melhores gestores públicos. 

A história demonstra, entretanto, que no caminho muitos perecerão.




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