Um mundo sem Deus

Em meu relacionamento constante com asiáticos, especialmente estudantes de pós-graduação que acompanho com curiosidade em seu percurso acadêmico e profissional, noto algo interessante: a questão do pecado/erro e a posição do ser humano perante o universo.

O ocidente herdou a idéia do pecado original, de um paraíso que, violada a regra fundamental (comer  a maçã), virou sonho perdido. E assim, todos os humanos foram condenados a vagar pelo planeta...as portas do paraíso estão fechadas para sempre. A incompatibilidade entre humano e divino (ou universal) é regra que nos subordina há milênios.

A idéia do pecado, da violação de uma regra unilateralmente estabelecida e especialmente da expulsão do paraíso... é algo que os asiáticos absolutamente desconhecem. Feliz deles, pois essa mensagem é puramente ocidental.

Você, que me está lendo, foi lavado cerebralmente (assim como eu) dentro de uma tradição em que já nascemos culpados, por atos de nossos antepassados: Adão e Eva.

Devemos nos conformar de que fomos expulsos, passamos a viver fora do paraíso e ainda sonhamos com o inatingível, sonambulando pelo mundo. Assim sendo, a noção de CULPA sobre tudo o que se fez e faz é permanente. É problema insolúvel.

Asiáticos não convivem com essa ilusória baboseira.

Eles entendem integrar o mundo. O universo e as filosofias e correntes religiosas que se desenvolveram na região os transformaram no futuro do mundo: povoam-no segundo a noção de harmonia universal. Não é incompatível ser "divino" e estar no paraíso.

Não há a idéia pré-concebida dessa maldita rejeição do Criador, que assombra o ocidente e o ocidental.

Seria o mesmo que dizer: no mundo, não há Deus.



Para um ocidental, especialmente vinculado a uma das 3 religiões monoteístas, essa afirmativa é um sacrilégio e se tivesse sido exprimida 3 décadas atrás, certamente viraria expulsão, excomunhão e outras sanções sociais gravíssimas.

Na medida em que vamos entendendo a filosofia de cada povo, analisando o que lhes motiva, o que lhes faz levantar da cama todo dia para empenharem-se no êxito e perpetuidade de suas sociedades, fica claro que há uma diferença de enfoque e visão do mundo que suplanta tudo o que o ocidente entendeu.

Um mundo sem Deus é um mundo sem pecado original, sem maçã, nem Eva. É o simbolismo do humano inserido no universo, não o controlando, nem por ele sendo controlado ou rejeitado, por uma figura virtual ou não.

Se o humano não controla, nem é controlado, fica bem mais fácil e aceitável fazer a avançar conquistas sociais - ou mesmo materiais - pois todas as avenidas estão abertas onde for possível a colaboração e a engenhosidade criativa.

A premissa da rejeição e de que não podemos aceitar o planeta como nosso paraíso (afinal, é o único local de convivência que possuímos) gera um peso imenso. Ao nos libertarmos dela, nos será permitida a vida plena, harmônica.

Não sei se a filosofia oriental é melhor do que a ocidental.

Só sei que constato haver povos que se enxergam como parte do universo, não tendo qualquer culpa em existir ou em estar sobre a crosta terrestre.

Eles parecem-me ter muito mais chances de se perpetuarem vitoriosamente do que aqueles que, por pesada carga histórica, acham-se devedores de uma entidade virtual, imaginária e que o sofrimento lhes integra a existência incondicionalmente. Suspeito que essa auto-rejeição incutida no ocidental é a grande razão de seu auto-ódio (ou em inglês, self-haters), se autoflagelando no viver, conviver e relacionar...

Esse sofrimento filosófico continuado do Ocidental será, talvez, sua sepultura, diante de asiáticos que não perdem um segundo sequer com dúvidas existenciais fundamentadas na rejeição pecaminosa, original...

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