Dilema do bom brasileiro

Após alguns dias circulando pelo país, medindo o ânimo das pessoas após a reeleição de Dilma e a eleição de Fernando Pimentel para governador do Estado de Minas Gerais, ficou clara a ambiguidade dos sentimentos.

Estive com gente inteligente e até mesmo influente, participante da vida política nacional ou local, e fiquei sabendo das oportunidades que surgem agora, em um momento posterior à polarização eleitoral.

Refiro-me mais diretamente à formação das novas equipes de governo, quando surge o seguinte dilema:

- Ater-me às manifestações de ódio e de manobras duvidosas (eufemismo para crimes eleitorais) que culminaram no resultado das eleições, deixando de participar da nova administração, ou esquecer tudo o que aconteceu (ou o que está sendo revelado nesses 12 anos de administração petista) e dar a contribuição para a coletividade, através de um emprego na administração do vitorioso?

Esse dilema me foi relatado por diversas pessoas, que de forma mais aguerrida ou discreta exerceram crítica durante o processo eleitoral.

Estariam essas pessoas em crise de consciência ao aceitarem posições (importantes) nas novas equipes de governo? Pensariam elas agora apenas em seus interesses egoísticos? Adeririam ao governo por vaidade, necessidade econômica ou até mesmo o gostinho de estarem ao lado dos vitoriosos, virando as costas para derrotados, que de alguma forma lhes desprezaram?...

A figura que me vem à mente é essa:


Você dirá: poxa, mas é radical demais, hein? Na Inquisição o sujeito convertia ao cristianismo, aceitava integralmente os dogmas sem qualquer restrição, ou era queimado vivo. O que fazer? Dá prá escolher uma terceira via?

Estaria eu exagerando?...

A questão diz respeito apenas a uma palavra: independência.

Quem é independente? Quem pode se dar ao luxo de ser independente e não precisar de um salário, de um emprego, de sua própria inclusão profissional e social?

Não é tão fácil, e não podemos dizer que tais pessoas são assim...



Em um país onde grande parte dos cargos públicos (até 4º escalão) muda a cada eleição, não dá para ter conflito de consciência. Não dá prá ter independência, se você deseja trabalhar na administração pública e ajudar a coletividade.

Comparando com o Canadá, onde apenas um primeiro e exclusivo escalão é mudado a cada eleição, e onde toda a máquina da administração mantém-se estável e observa políticas de longo prazo, o Brasil acaba obrigando seus cidadãos de bem a conviver com esse dilema, se não são filiados a partidos ou caninamente fiéis a um ou outro político.

O problema maior é que, ao aderir à equipe de governo petista em MG e no Brasil, o cidadão, profissional competente e verdadeiramente engajado em auxiliar a coletividade está também ajudando ou aderindo a um projeto de poder ambicioso: o projeto hegemônico petista.

A alternância de poder em Minas tem seu lado positivo, pois causará mudanças sobre o que não funciona e sobre grupos lá aboletados, acomodados. Isso é inevitável como modelo para quebrar estruturas de poder estabelecido, em especial no PSDB, mas o PT ganhar Minas pode ter também outro significado que suspeitamos.

Uma alegação que ouvi insistentemente é que o PSDB não é partido de oposição, que seus líderes são desconexos da realidade, que a estrutura decisória do partido é um lixo (não ouve ninguém além dos caciques, usando militantes como massa pura de manobra), enfim que não é um partido confiável pela agenda econômica ortodoxa que propugna, desalinhada da realidade social nacional.

Confesso que concordo com várias críticas acima listadas. Fosse diferente, Minas Gerais teria entregado a Presidência da República a Aécio e ao PSDB na bandeja, já que o estado é administrado pelo partido há décadas e se tivesse sido um sucesso retumbante ninguém desejaria mudanças.

Ocorre que o argumento fundamental não vai bem por aí.

O argumento retorna ao dilema moral de um país que muda radicalmente políticas públicas quando há eleições, destruindo projetos de longo prazo. Além disso, o preocupante parece ser o momento atual, onde perpetuar a hegemonia de um grupo no poder parece ser a perigosa tendência. Esse grupo possui ideais perniciosos, oculta alianças internacionais espúrias e tem como propósito maior reescrever a sociedade brasileira por meio da democracia direta (destruindo a representação democrática, ao não promover uma reforma política que melhore o sistema), da luta de classes e do nivelamento por baixo (moral, educacional, de serviços públicos, etc.).

Para aqueles com quem conversei, que não dependem ou se interessam por cargos públicos, ficou a nítida impressão de que o governo fará algo para ficar melhor na foto econômica e fiscal, mas com o intuito exclusivo não de melhorar o país, mas para garantir longevidade ao seu projeto de poder. Para esses cidadãos (empresários, profissionais liberais, professores...), a fórmula será a de adoçar o palato do eleitor com resultados de curto prazo (como sempre foi, assim alegam) para que este vote nos vitoriosos de hoje e assim não haja renovação ou rotatividade no poder.

Outras pessoas, que confessaram discordar de algo que está aí (em especial a indignante corrupção que atinge escalas escabrosas e que, por mais que se negue, são fruto de uma política consistente que beneficiou e beneficia diretamente Lula e Dilma), dizem que é obrigação do cidadão participar da gestão pública, e que governo deve ser separado de estado. Estes disseram estar prontos para servir ao estado, mantendo sua "independência" do governo, como se fosse possível.

Essa visão externa que possuo, claro que é cômoda e confortável, como diriam alguns. Por outro lado ela me permite enxergar mazelas como essa captura horrenda que governos brasileiros fazem de profissionais que utilizam sua técnica e inteligência para promoverem uma agenda política.

Como me posiciono contra a atual agenda político-partidária (e não contra inclusão social, melhor democracia, seriedade fiscal e econômica, eficiência na administração pública...) petista, entendo que apenas uma progressiva profissionalização do serviço público e a redução drástica de cargos de confiança poderia permitir que o Brasil abrisse a agenda do que deseja ser.

Além disso, a influência da União sobre Estados e Municípios, fruto da burrice constitucionalizada, concentradora de recursos e atribuições, é um fator de atraso ao país, retirando do cidadão e do gestor local a capacidade de melhorar a qualidade de vida de sua comunidade. Além disso, tal estrutura afasta o cidadão de seu representante.

Não é hora de condenar decisões individuais, mas esse post convida à reflexão sobre como auxiliar o Brasil - esse país com povo simpático e enormes potencialidades - a avançar, ainda que sob um governo que, sabemos, lança mão de qualquer estratagema para não ter disputada sua situação no poder.

Além disso, esse post coloca em dúvida a capacidade de o PSDB elevar-se à estatura de oposição real, com chances de não apenas ganhar eleições, mas de representar o que muita gente deseja: uma nova política, que abandona hábitos do passado como clientelismo, corrupção, impunidade e absoluto desprezo pela ética e moralidade.

Em resumo: não é fácil ser brasileiro, muito menos ser brasileiro engajado no país e que, para participar, parece estar forçado a fazer parte de um time que não lhe ouve, que apenas se interessa pelo apoio para garantir o poder eterno.


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