Processo e essência

Felicidade pode ser definida como a forma como se viaja, não o destino.

Esse post filosófico é uma reflexão entre processo e essência, mídia e conteúdo.

Usarei o método comparado.
Na vida urbana tudo é dinâmico. Tudo se move. Rápido. Assim, sentimo-nos agentes, atuantes, atores, pois estamos no meio da bagunça, fazemos parte desse movimento, mesmo que como meros transeuntes, expectadores, etc. Diametralmente oposto, está o prisma rural, onde tudo está parado à sua volta, algumas vacas pastando, mas o fato de o exterior ser estático permite com que você se concentre no seu próprio interior e tenha tempo de olhar o mundo à sua volta, examiná-lo e situá-lo.

Percebeu?

Penso nos que moram em Sampa. A vida lá é uma loucura total. Jornadas de 12 horas, pouco tempo para olhar para si e para o outro, pouco cuidado para ver além das tarefas diárias, da pilha de compromissos, de demandas, que se avolumam automaticamente, organicamente. Isso seguido de finais de semana invariavelmente estáticos, na cama, olhando para o teto, "pois não aguentamos fazer nada"...

O foco deveria ser em quê? Em processo, movimento, dinâmica, como um mosquito em torno da luz, ou... na essência, no que realmente importa, no olhar dentro do olho do outro?

Sim, a dinâmica é necessária, mas cada vez fica mais claro o quanto esse esquema de vida ocidental, consumista ao extremo, nos afasta da essência, do que realmente importa. Eu até citei isso numa dessas viagens por linhas tortas, mas não repito isso hoje. O que digo hoje é um pouco diferente, confronta nosso dia-a-dia e nosso afastamento de tarefas ou reflexões fundamentais, em virtude do processo.

Como advogado, sempre me perguntei porque, para se valer de um direito, há necessidade de recorrer a um detalhamento enorme, denominado processo. Há juristas que colocam o processo com importância de direito autônomo, como um fim em si mesmo. Se o processo serve para garantir direitos, é claro que é fundamental, importante, mas não é a essência. A essência é o direito que se quer proteger (à vida, propriedade, guarda de filhos, etc.).

Fiz a digressão jurídica por costume, mas também para explicar que temos nos tornado escravos de procedimentos, de rotinas, que nos fazem mal, que nos consomem.

Felizmente há luz no fim do túnel.

Uma delas é o horário de trabalho - jornada - flexível e o trabalho remoto (total ou parcial). Essa evolução trabalhista acontece em vários lugares onde há mais acesso à tecnologia e respeito às necessidades globais da pessoa. A partir do momento em que vemos o próximo como uma pessoa inteira e não como uma ferramenta, que entra porta adentro no escritório e deixa seus temores e paixões lá fora, constatamos que um esquema mais completo, mais harmonioso, precisa ser criado, inventado e implementado.

O privilégio que Domenico de Masi pregava, quando surgiu pregando o ócio, deve ser relido como uma forma de se buscar o equilíbrio entre vida e trabalho, permitindo eventualmente a todos trabalharem até morrerem, para nunca pararem.

Pessoalmente, acho que o conceito de aposentadoria está mudando radicalmente. Acho que daqui a 2 ou 3 gerações não haverá mais aposentados. Haverá apenas ritmos diferentes de atividade produtiva. Será 1h por dia, ou mesmo por semana, mas o ser humano, inventivo e criador de muitas coisas boas (feitos à imagem d'Ele), certamente entenderá que não dá prá encostar tanta gente interessante, só porque as rugas ou a memória não andam lá tão atrativas...

Enquanto isso não chega (espero que eu ainda veja....), é notável o tanto de gente que vira autômato, correndo atrás do rabo, pelo sabor do movimento e algumas compensações materiais que, ao final das contas, enxergam não ser assim tão importante ou atrativa.

Quantas mulheres tornaram-se infecundas pois estavam correndo, envoltas no processo, na dinâmica da vida profissional, para se descobrirem frustradas e sozinhas, a despeito de contas recheadas? Será essa a receita da felicidade?

Quantos pais de família tornam-se irreconhecíveis, ao passar dos anos, aos olhos de seus filhos e parentes, pois caem no redemoínho da rotina absurda de cidades grandes, esquecendo-se de si e dos próximos?

Seria toda essa atividade intensa um escapismo? Estaria o Ocidente, ao enfiar-nos tanta necessidade material como sentido da vida, negando o ser e afastando-se do essencial?

Quando adolescente, eu adorava o ditado chinês de que após muito procurar (fundo do mar, pico mais alto...), descobriu o pupilo que a felicidade estava dentro dele próprio. O Mestre já sabia...

Já me vin envolto do movimento absurdo e autômato, mas lentamente, após vários "estalos de dedos" ao meu redor, a hipnose acabou e passei a crer saber distinguir entre hipnotizados e não.

Espero estar certo em minha constatação.

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