Metacognição e assuntos de estado
A violência sempre foi a arma dos ignorantes. A ausência de raciocínio e informação, a incapacidade de elaborar argumentos lógicos e bem-fundamentados induzem ao recurso à força, pois o agente ignorante é incapaz de convencer pacificamente. O uso de palavrões, já dizia minha professora de português no secundário, é sinal de pobreza de vocabulário, despreparo e pouco estudo.
Em 1999, a dupla de psicólogos David Dunning e
Justin Kruger realizou testes envolvendo gramática, lógica e humor. O padrão
identificado foi revelador: os que obtinham as piores avaliações eram
justamente os que mais superestimavam suas próprias capacidades, enquanto
aqueles com as melhores avaliações frequentemente se subestimavam. A
autoavaliação dos voluntários comprovou um fenômeno muito comum: a dissonância
entre realidade e autoimagem.
O estudo acabou batizado como Efeito
Dunning-Kruger, abordando o viés cognitivo com o qual nos enxergamos no mundo.
No meio educacional, é comum cruzarmos com
alunos que acham ter ido magistralmente bem nas provas, mas cujos resultados
são pífios – e, por outro lado, com aqueles que saem chorando, certos de que
foram mal, para depois descobrirem que tiraram as melhores notas da sala.
Também nos deparamos com situações em que conhecidos, sem qualquer domínio de
um idioma estrangeiro, afirmam: "Minha filha está falando muito bem esse
tal idioma, não é?" Nesses casos, se quisermos manter a amizade, deveremos
mentir e dizer: "Claro, ela está falando como uma nativa!" Caso
contrário, poderemos estar cometendo um sincericídio.
A dissonância cognitiva entre aqueles que se
acham competentes (ou incompetentes) por conta própria traduz-se em
consequências concretas.
No ambiente da gestão pública (diferentemente
do setor empresarial – salvo nas empresas familiares, onde sempre há o herdeiro
inepto privilegiado pelo laço sanguíneo), constatamos um festival riquíssimo de
bobagens ditas por autoridades, a começar pelas mais altas. Muitas dessas
declarações viram memes, piadas e, no Brasil, até marchinhas de carnaval. Um
antigo presidente, muito preocupado com estética, divagava sobre a
"liturgia do cargo", mas parece haver uma tradição em preservar a
total ausência de conteúdo e forma por parte daqueles que ocupam prestigiados
postos.
Há vários fatores que levam pessoas
incompetentes a se arvorarem especialistas, assumindo sem humildade
responsabilidades comprovadamente além de suas capacidades. A falta de talento
e conhecimento nas áreas em que passam a atuar – movidos unicamente por
conveniências políticas – afasta o mérito, gerando desperdício e outras perdas,
materiais e humanas.
A metacognição diz respeito à capacidade de uma
pessoa avaliar a si mesma e reconhecer suas limitações. Quem não se transpõe,
não enxerga suas próprias bobagens – e, no caso dos altos cargos, esses
indivíduos ainda se cercam de puxa-sacos, reforçando sua incompetência. Como
diz o velho adágio: cercar-se de anões não faz de ninguém um gigante.
O pensamento intuitivo também é abordado no
estudo de Dunning e Kruger: a pessoa que age e se expressa com base apenas em
instintos e sentimentos demonstra clara incapacidade de produzir pensamento
analítico. Decisões rápidas e impensadas são marca registrada do incompetente,
que se apoia em preconceitos e ideias pré-concebidas para decidir, pois não
consegue analisar um problema sob diversos ângulos. Além disso, ele se ancora
em referências mentais rígidas e inalteradas, recusando-se a reavaliar sua posição
diante de novos fatos.
O trabalho repetitivo (ou mesmo o sucesso em um
contexto específico) também contribui para a dissonância cognitiva. Muitos
empresários bem-sucedidos em um nicho acreditam que terão o mesmo êxito em
qualquer setor ou país que desconhecem, simplesmente porque incorporaram o
complexo de Midas (tudo o que tocaram virou ouro até então). No campo
educacional, quem desconhece sua própria ignorância prepara-se menos para
provas e, ao fracassar, busca culpados sem reconhecer sua auto-sabotagem.
As lideranças públicas fracas dos últimos 20
anos desprezaram meritocracia, disciplina e responsabilidade (fiscal,
migratória e de defesa), substituindo-as por slogans vazios e ideologias
comprovadamente falidas – unicamente para ganhar popularidade e silenciar o
dissenso.
O excesso de líderes que usam tribunas
privilegiadas para falar bobagens, mentir e manipular a população só se
sustenta graças à passividade, submissão ou subserviência daqueles que
constituem sua platéia ou suas caixas de ressonância.
Mas qual seria a utilidade de estudos como o
citado aqui, se as chamadas elites pensantes simplesmente dão de ombros e
continuam tolerando gestores tão incompetentes e verborrágicos, verdadeiros
fabricantes de idiotices?